São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"Se persistirem os sintomas..."


No fim do "reclame" (que saudade dos tempos dos "reclames"!), aparece, em letras bem grandinhas...

UFA! FINALMENTE alguém do meio publicitário ou do farmacêutico percebeu a pouca funcionalidade do uso das expressões "A persistirem os sintomas..."/ "Ao persistirem os sintomas...", ainda presentes em quase todas as peças publicitárias de medicamentos.
Como o caro leitor deve saber, essas peças (por lei?) terminam com as conhecidas e já citadas advertências, completadas com estes dizeres: "...o médico deverá ser consultado". Confesso que não entendo bem por que "o médico" e não "um médico", mas isso é outra história. Fiquemos com a bendita questão da opção entre "A persistirem" e "Ao persistirem", que, por sinal, já comentei neste espaço, há muito tempo.
O fato é que o tempo passa, e as mensagens dos leitores sobre essa questão não terminam. "Qual é a forma correta?", perguntam, como se só uma das duas fosse correta. Vamos lá: as duas são possíveis, corretas etc., o que não significa que são equivalentes. Não são. Em "A persistirem os sintomas...", temos a preposição "a" introduzindo uma oração que expressa ideia de condição, ou seja, uma oração condicional, equivalente a "Se persistirem os sintomas", "Caso persistam os sintomas".
Esse emprego da preposição "a" (introduzindo ideia de condição) é comum nos textos clássicos, jurídicos, filosóficos e mesmo em construções comuns no dia a dia, como esta: "A julgar pelo que vi ontem, não há boas perspectivas de solução do problema" ("A julgar pelo que vi ontem" equivale a algo como "Se julgar/caso julgue pelo que vi...").
Em dicionários brasileiros e portugueses, encontram-se exemplos como estes: "A ser essa a única solução, é melhor desistir" ("A ser essa a única solução" = "Se for/Caso seja essa a única solução"); "A caminharmos neste ritmo, não chegaremos a tempo" ("A caminharmos neste ritmo" = "Se caminharmos/Caso caminhemos neste ritmo"). Deve-se notar a alteração na flexão do verbo quando se troca "se" por caso".
E a forma "Ao persistirem os sintomas"? A coisa muda. O infinitivo introduzido por "ao" constitui oração de valor essencialmente temporal ("Ao persistirem os sintomas" = "Quando persistirem os sintomas").
Esse uso de "ao" com infinitivo é mais do que comum, como se vê em "Ao sair, apague a luz" ("Ao sair" = "Quando sair") ou em "Ao beijá-la, sinto os pés saírem do chão" ("Ao beijá-la" = "Quando a beijo").
No caso da publicidade dos medicamentos, faz muito mais sentido pensar em "A persistirem os sintomas", ou seja, na indicação da ideia de condição ("Se persistirem/Caso persistam os sintomas"). Mas, cá entre nós, melhor mesmo é fazer o que (ufa!) fez uma agência de propaganda (que, infelizmente, não posso nomear -só vi a peça publicitária uma vez, ou melhor, menos de meia vez).
No fim do "reclame" (que saudade dos tempos dos "reclames"!), aparece na tela, em letras bem grandinhas, a frase "Se persistirem os sintomas...", confirmada pelo locutor.
Convém aproveitar a ocasião para lembrar que, quando se usa a preposição "a", emprega-se o verbo no infinitivo, o que explica a obrigatoriedade da opção por "ser" em "A ser essa a única solução, é melhor desistir". A troca da preposição "a" pela conjunção "se" implica o uso de uma forma verbal finita -do indicativo ou do subjuntivo, portanto ("Se for essa a única solução/Se é essa a única solução, é melhor..."). É isso.

inculta@uol.com.br


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