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LETRAS JURÍDICAS
Filosofando sobre o trabalho
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Devem ser raros os brasileiros que ignoram a
existência da Consolidação das
Leis do Trabalho, a CLT, sigla que
deu origem ao neologismo "celetista", ou seja, o empregado, segundo regras legais consolidadas.
O nome da CLT, contudo, é incorreto ou, talvez, falso, pois suas
normas referem-se predominantemente à relação entre empregado e empregador e não a todas as
leis sobre o trabalho.
O leitor já pensou em definir
trabalho? Proponho uma alternativa. Trabalho é atividade desenvolvida pelo ser humano com fins
úteis e lícitos. Lendo a definição
sugerida, o leitor dirá que está faltando a remuneração, pois, na
linguagem do dia-a-dia, trabalhar é atividade profissional, de
produção ou de prestação de serviços, que assegura, pelo salário, a
manutenção do trabalhador e de
sua família, conforme resulta dos
artigos 6º e 7º da Constituição. Há
uma ressalva importante. As
ações desenvolvidas em causas
humanitárias, religiosas, de benemerência, sem contrapagamento,
também se enquadram na definição. Trabalho e emprego são coisas diferentes.
O escritor -bem ou malsucedido, não importa- serve de bom
exemplo porque realiza seu trabalho. De outro ângulo, compreende, paradoxalmente, o chamado trabalho escravo, o do preso e o das freiras integrantes de irmandades religiosas, entre tantos
outros. O trabalho infinitamente
importante da dona-de-casa há
de ser necessariamente considerado. Ainda não tratei do futebolista, do camelô, de catador de papel, da prostituta, injustamente
chamada praticante da vida fácil,
que também trabalham.
De tudo o que ficou dito resulta
a questão óbvia de saber se é possível colocar toda essa gente na
definição proposta no começo ou
admitir alguns e afastar outros.
Tentativa útil para o enquadramento é a de considerar "trabalho a atividade humana, manual
ou intelectual, exercida com vistas a um resultado útil e determinado". É a definição do "Vocabulaire Juridique" da Association
Henri Capitant, dirigido por Gérard Cornu.
Variando o rumo: o verbo trabalhar não significa necessariamente exercer profissão. O recentemente falecido Jorge Guinle dizia que jamais havia trabalhado,
fruindo até o fim a fortuna herdada. No pólo oposto, achou-se o estímulo ao trabalho ("cada segundo que passa é um milagre que
não se repete") na versão utilitarista ("tempo é dinheiro"), a exigir atuação metódica e constante,
como condição da dignidade humana, posição desmentida, contudo, pelos grandes fazedores do
mundo, de Aristóteles a Marx, de
Buda a Jesus e a Muhammad
(Maomé).
Os funcionários públicos não
são trabalhadores, na terminologia constitucional, mas trabalham, subordinados à relação estatutária, que também não é de
emprego. Eles são servidores.
A Constituição nega a distinção
entre o trabalho intelectual e o
trabalho físico. Trabalho, para a
Carta Magna, é a atividade remunerada, com ou sem relação
de emprego. Nesse plano, o controlador de vôo e o ajudante de
pedreiro têm a mesma dignidade
profissional, do ponto de vista legal, o que é rigorosamente correto. No Dia do Trabalho, quando
este permite divagações filosóficas, com tantas alternativas completamente diversas, só cabe completá-las com a última pergunta:
"Dia de quê!?!".
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