São Paulo, sábado, 01 de maio de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Filosofando sobre o trabalho

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Devem ser raros os brasileiros que ignoram a existência da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, sigla que deu origem ao neologismo "celetista", ou seja, o empregado, segundo regras legais consolidadas. O nome da CLT, contudo, é incorreto ou, talvez, falso, pois suas normas referem-se predominantemente à relação entre empregado e empregador e não a todas as leis sobre o trabalho.
O leitor já pensou em definir trabalho? Proponho uma alternativa. Trabalho é atividade desenvolvida pelo ser humano com fins úteis e lícitos. Lendo a definição sugerida, o leitor dirá que está faltando a remuneração, pois, na linguagem do dia-a-dia, trabalhar é atividade profissional, de produção ou de prestação de serviços, que assegura, pelo salário, a manutenção do trabalhador e de sua família, conforme resulta dos artigos 6º e 7º da Constituição. Há uma ressalva importante. As ações desenvolvidas em causas humanitárias, religiosas, de benemerência, sem contrapagamento, também se enquadram na definição. Trabalho e emprego são coisas diferentes.
O escritor -bem ou malsucedido, não importa- serve de bom exemplo porque realiza seu trabalho. De outro ângulo, compreende, paradoxalmente, o chamado trabalho escravo, o do preso e o das freiras integrantes de irmandades religiosas, entre tantos outros. O trabalho infinitamente importante da dona-de-casa há de ser necessariamente considerado. Ainda não tratei do futebolista, do camelô, de catador de papel, da prostituta, injustamente chamada praticante da vida fácil, que também trabalham.
De tudo o que ficou dito resulta a questão óbvia de saber se é possível colocar toda essa gente na definição proposta no começo ou admitir alguns e afastar outros. Tentativa útil para o enquadramento é a de considerar "trabalho a atividade humana, manual ou intelectual, exercida com vistas a um resultado útil e determinado". É a definição do "Vocabulaire Juridique" da Association Henri Capitant, dirigido por Gérard Cornu.
Variando o rumo: o verbo trabalhar não significa necessariamente exercer profissão. O recentemente falecido Jorge Guinle dizia que jamais havia trabalhado, fruindo até o fim a fortuna herdada. No pólo oposto, achou-se o estímulo ao trabalho ("cada segundo que passa é um milagre que não se repete") na versão utilitarista ("tempo é dinheiro"), a exigir atuação metódica e constante, como condição da dignidade humana, posição desmentida, contudo, pelos grandes fazedores do mundo, de Aristóteles a Marx, de Buda a Jesus e a Muhammad (Maomé).
Os funcionários públicos não são trabalhadores, na terminologia constitucional, mas trabalham, subordinados à relação estatutária, que também não é de emprego. Eles são servidores.
A Constituição nega a distinção entre o trabalho intelectual e o trabalho físico. Trabalho, para a Carta Magna, é a atividade remunerada, com ou sem relação de emprego. Nesse plano, o controlador de vôo e o ajudante de pedreiro têm a mesma dignidade profissional, do ponto de vista legal, o que é rigorosamente correto. No Dia do Trabalho, quando este permite divagações filosóficas, com tantas alternativas completamente diversas, só cabe completá-las com a última pergunta: "Dia de quê!?!".


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