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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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Do total da frota brasileira de veículos, 10% são motocicletas e 74% são automóveis, que significam 56% dos custos

Moto representa 19% do gasto com acidentes

DA REPORTAGEM LOCAL

DA REDAÇÃO

Elas são 10% da frota e quase um quinto dos gastos com os acidentes ocorridos no Brasil -19%.
Se esses índices já sugerem que as motos são mais perigosas do que os automóveis (74% da frota e 56% dos custos), a gravidade das colisões mostra o risco: de cada 100 acidentes com motos, há vítimas em 71. Para automóveis, essa proporção é de 7 para 100.
Em São Paulo, por exemplo, os motoqueiros representaram 24% das 1.526 mortes ocorridas em 2001 -ano utilizado como base na pesquisa do Ipea.
"Chamaram a atenção [na pesquisa] o custo e a alta severidade dos acidentes com os motociclistas. Principalmente porque é um veículo de menor valor, o que faz com que o custo do acidente esteja basicamente associado ao dano ao motociclista", diz José Ribamar Góes, da coordenação executiva do estudo do Ipea.
"Os números chamam mais a atenção pela presença maciça de motoboys nas cidades e por ser a frota que mais cresce no Brasil. Se nada for feito, a tendência é que a situação piore", diz o engenheiro.
Só no mês passado, três vítimas de acidentes com moto deram entrada na ala de lesados medulares do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas de São Paulo, que participou da pesquisa. Entre os motociclistas que morrem, o local atingido costuma ser a cabeça. Dos que sobrevivem, muitos quebram as pernas, outros ficam paralíticos.
Estudo feito pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), publicado no início de 2001, mostra que, entre motociclistas que tiveram alta, 55,5% sofreram lesões nas pernas. Já entre os que morreram, 48,4% tiveram lesões na cabeça.
Na última quarta-feira, Valdilho de Oliveira Cruz, 24, entrou para a primeira estatística. Ele ia do trabalho para o cursinho quando um carro bateu de lado em sua moto, numa rua da Lapa, zona oeste de São Paulo. "Só vi que era um carro preto", relatou no pronto-socorro do IOT, com a perna cheia de pinos. Terá de interromper o trabalho e o cursinho por dois meses.
O vendedor Marcio Henrique da Silva, 27, quase passou para a segunda lista. No Dia das Mães, voltava do interior paulista à noite e se perdeu. Um carro o pegou por trás, lançou-o no ar e arrastou a moto. Ficará imobilizado por 90 dias. Não fosse a roupa de proteção e o capacete, teria morrido.

Sem volta
"O crescimento do uso de motos é um fato irreversível. São Paulo tem um perfil de uso diferenciado, predomina o motoboy. No restante do país, tem o mototáxi", afirma Luís Antônio Seraphim, coordenador da divisão de transportes do Instituto de Engenharia (IE) de São Paulo e assessor técnico da presidência da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) paulistana.
"A expansão é preocupante. É um veículo de alto risco, que é potencializado pelo mau uso e por adaptações feitas pelos motoristas", afirma Seraphim. "Adaptações", explica o engenheiro, são colocar um retrovisor menor ou diminuir o guidão, por exemplo.
Como minimizar, portanto, os danos e os acidentes? "Temos que atuar em quatro fatores: humano, veículo, institucional [as leis] e via", afirma Seraphim.
"Podem existir políticas diferenciadas, políticas que se destinam ao quadro geral de motoristas e outras para um público específico, como os motoboys", opina Góes. "As estatísticas já mostram um crescimento no número de acidentes com os motociclistas."
O veto ao artigo 56 do Código de Trânsito Brasileiro -que proibia a moto de circular entre os carros- "fragilizou a fiscalização", diz. "Os motoqueiros se sentem "donos" desse espaço."
Góes, do Ipea, concorda. "Os motoboys ficam andando entre as faixas, o que é uma situação potencialmente perigosa."
Para o pesquisador da CET e do IE, algumas opções de atuação nessas quatro áreas são evitar o mau uso e modificações na moto com a inspeção dos veículos, a regulamentação de serviços e da profissão de motofrete, um processo mais rigoroso para conceder a habilitação, redução do prazo para a renovação da mesma e cursos de reciclagem.
Além disso, ele sugere a criação de uma faixa exclusiva à esquerda, próxima ao canteiro central, nas vias expressas das cidades. Ele cita o exemplo da avenida 23 de Maio, uma das mais importantes de São Paulo e que integra o chamado corredor norte-sul, principal ligação entre as regiões norte e sul da cidade. "Temos até 1.400 motos por hora no horário de pico. E é uma roleta russa: o motoqueiro está sujeito a ser interceptado a qualquer minuto."
Mas faz uma ressalva. "Hoje, é muito difícil implantar uma medida dessas em São Paulo, principalmente por conta da necessidade de criar uma grande rede de transporte coletivo", explica. "Os corredores projetados para ônibus são junto ao canteiro central, do lado esquerdo da pista."

Perfil do motoboy
A expansão dos motoboys em São Paulo foi retratada em uma pesquisa feita pela CET em outubro de 2001 e divulgada no ano passado. Dos 999 entrevistados, 66,6% informaram trabalhar com motofrete; os demais afirmaram que são motociclistas.
O perfil do motoboy de São Paulo é formado por homens (99,7% dos entrevistados) que concluíram o segundo grau -53,2%- e rodam até 150 quilômetros por dia (64,7%).
Considerando só os que declararam trabalhar com motofrete (666 pessoas), 60,6% têm de 20 a 29 anos, 51,6% rodam de 100 a 200 quilômetros por dia e 50,4% possuem até cinco anos de habilitação. A moto de 53,8% dos motoboys tem até quatro anos de uso.
Para muitos jovens que se arriscam com as motos no trânsito, atravessar a fileira de carros e retrovisores em alta velocidade é adrenalina pura. A médica Julia Greve, que coordenou o estudo de custos no HC, diz que o gosto dos motoboys pelo risco da velocidade se compara ao rapel dos adolescentes da classe média.
Ela critica a pressa que contamina pessoas e empresas e leva a lançar mão dos serviços de motoboy para qualquer coisa, quando há e-mail, correio e Sedex.
"É uma economia pé-de-barro que precisa ser revista", diz. "Estamos alimentando empresas que contratam meninos e os incentivam a correr como loucos. Quando se acidentam, vão custar muito ao Estado." (ROBERTO PELLIM E AURELIANO BIANCARELLI)


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