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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

A descoberta do antídoto contra a violência

Na semana em que ocorreu mais um crime de repercussão nacional -o assassinato, no domingo passado, do produtor musical Almir Chediak-, foram exibidos simultaneamente o veneno e o antídoto da epidemia de violência.
Inútil ficar repetindo o que todos já sabem: sem aumento do emprego e da renda, mesmo a mais eficiente das ações contra a pobreza apenas "corre atrás do prejuízo", não sai do lugar; é a tal imagem da bicicleta ergométrica citada por Lula.
Por isso o principal fato social do governo Lula até aqui foi o recorde no nível de desocupação na região da Grande de São Paulo, divulgado na quarta-feira passada -o veneno da marginalidade. No caso, a bicicleta andou para trás. Desde que o Dieese e a Fundação Seade começaram a medir tal índice, em 1985, não se tinha registro de um desemprego de 20,6%.
O recorde apenas acentuou ainda mais a distância entre o que o presidente prometeu no palanque e o que a realidade está oferecendo; entre o que ele imaginava (ou dizia que imaginava) que faria e o que está fazendo. Difícil, porém, saber se enganou ou se estava se enganando, se desinformou os eleitores ou se estava desinformado.
 
Até aí, são apenas obviedades. Quem não se emociona com discursos de palanque já sabia que, pelo menos neste ano, Lula teria pouco a apresentar devido, em larga medida, à herança que lhe fora deixada e ao futuro de limitações que o esperava.
O que não é óbvio: a formação de um consenso em torno de práticas que se prestam a antídotos contra a violência. Duas medidas anunciadas na semana passada revelam a percepção da importância do capital social, que é a rede de relações em torno da família, da escola, dos templos, dos clubes.
O Ministério do Trabalho anunciou, na quinta-feira, que, no programa Primeiro Emprego, haverá um estímulo especial a quem executar serviços sociais. O jovem receberia um salário para atuar como agente comunitário. Aquele que seria um candidato à marginalidade passa a melhorar o lugar em que vive, tornando-se uma referência. Seu papel, em essência, é gerar capital social.
Em parceria com a Unesco, o governo de São Paulo lançou um programa para manter as escolas estaduais em funcionamento nos fins de semana e nos feriados, abrindo suas portas à comunidade; é o mesmo princípio do Centro Educacional Unificado (CEU), da prefeita Marta Suplicy. Ou seja, acredita-se que a escola seja um elemento nuclear para a formação de capital social.
 
Com as escolas abertas, veio mais uma proposta: estudantes de faculdades privadas que desejassem trabalhar nos fins de semana nas escolas ganhariam uma bolsa para pagar suas mensalidades -com a condição de que fossem oriundos da educação pública.
Assim, de um lado, ajudam-se jovens a fazer curso superior e, de outro, melhora-se a escola, aproximando-a da comunidade. Essa proposta surgiu em Goiás, vem ganhando dimensão em São Paulo e consta dos planos do Ministério da Educação. Não será uma experiência localizada, mas um plano nacional.
 
Não é a pobreza o combustível da violência -países bem mais pobres do que o Brasil não são tão violentos-, mas o drama de não se sentir pertencente à sociedade. Num ambiente em que os indivíduos não estabelecem relações pessoais produtivas e afetivas, o desemprego e os baixos salários se convertem em delinquência.
Há no Brasil várias experiências, como as da favela Monte Azul ou de Paraisópolis, em São Paulo, e o morro da Mangueira, no Rio, onde, por causa da teia de relações familiares e sociais, a incidência de criminalidade é bem mais baixa se comparada à de lugares com o mesmo nível de renda.
Mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai voltar a crescer -até porque, se não crescer, seremos qualquer coisa, menos um país. Nesse momento, todas essas experiências de geração de capital social farão, de fato, efeito, desde que, claro, não perdurem as políticas desfocadas e fragmentadas, na crônica incompetência dos programas destinados a reduzir a pobreza.
 
PS - O que está faltando, vou repetir, é um Plano Marshall para os guetos de violência no Brasil. O Plano Marshall foi patrocinado pelos norte-americanos para recuperar a Europa destruída depois da Segunda Guerra Mundial e para evitar que nações fossem seduzidas pelos comunistas. Governos federal, estadual e municipal deveriam mapear os bairros mais violentos, onde trabalhariam juntos combinando repressão com prevenção.
Uma tímida (e bem tímida, aliás) amostra dessa ofensiva ocorre hoje no Jardim Ângela, um dos bairros mais violentos do Brasil. Jogam-se ali recursos públicos e privados (de entidades não-governamentais) em programas para a juventude e para a promoção da família, que envolvem cultura, esporte e educação. A situação continua ruim, mas, no ano passado, a taxa de homicídio ali despencou 18% em relação à de 2001.


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