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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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POLÍCIA

J.N., que já trabalhou para a quadrilha de João Arcanjo Ribeiro, diz que os grupos têm ramificações em 15 Estados

Testemunha revela organização do crime

IURI DANTAS
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O crime organizado funciona no Brasil como uma empresa. Quadrilhas que atuam em âmbito estadual estão agrupadas numa estrutura nacional, com ramificações em pelo menos 15 Estados. O conglomerado do crime é chamado por seus integrantes de "organização". Possui colaboradores infiltrados nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Todas essas revelações foram feitas por J.N., uma testemunha federal que, ameaçada de morte, integra o programa de proteção a testemunhas do Ministério da Justiça.
J.N. trabalhou para a quadrilha de João Arcanjo Ribeiro, conhecido como "comendador". A base operacional do grupo é o Estado de Mato Grosso. No momento, Arcanjo Ribeiro encontra-se preso no Uruguai. Espera pelo julgamento de um pedido de extradição feito pelo governo brasileiro.
A Polícia Federal e o Ministério Público investigam a atuação da quadrilha do comendador em cinco Estados. A investigação envolve jogo ilegal, roubo de cargas, tráfico de drogas e de armas, além de lavagem de dinheiro.
J.N. abandonou a quadrilha de Arcanjo no ano passado, quando seu irmão foi morto. Hoje, é testemunha em processo da Justiça Federal sobre o assassinato de Rivelino Brunini, radialista morto em 2002. Em depoimento formal, J.N. disse que Arcanjo Ribeiro seria o mandante do assassinato. Mais: teria encomendado também a morte do procurador da República, Pedro Taques, de Mato Grosso. Ele é do cerco ao grupo de Arcanjo. Recebe proteção da Polícia Federal.
J.N. afirmou também no depoimento à Justiça que Arcanjo Ribeiro seria "testa-de-ferro" e "gerente operacional" do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, preso em São Paulo.
Ainda de acordo com a testemunha, o "comendador" teria encomendado a morte do advogado Joaquim Marcelo Denadai, ocorrida em abril do ano passado no Espírito Santo.
Após a morte de Denadai, o Ministério da Justiça ensaiou uma intervenção federal no Espírito Santo. A operação, frustrada, contribuiu para a saída do advogado Miguel Reale Júnior da pasta, ainda sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em junho de 2002, foi criada uma força-tarefa federal para coibir o crime organizado capixaba. Resultou na prisão do ex-presidente da Assembléia Legislativa do Estado José Carlos Gratz, por suposto envolvimento com criminosos.
A reportagem da Folha localizou J.N. em Brasília. Entrevistou-o pessoalmente no último dia 23 de maio. Depois, ouviu-o várias vezes por telefone. Os contatos foram gravados.
Nos diálogos com a reportagem J.N. fez revelações que não constam de seu depoimento à Justiça. Afirmou, por exemplo, que o "comendador" Arcanjo Ribeiro seria apenas elo de uma corrente de facções criminosas em atuação no país. Os grupos teriam se unido para facilitar a entrada, saída e distribuição de drogas e armas nos Estados.
Batizada de "organização", a união dos bandidos estaria presente em pelo menos 15 Estados. Importaria cocaína e heroína da Colômbia, pasta para refino de cocaína da Bolívia e maconha do Paraguai.
Incomodado com a desenvoltura de J.N., o Ministério da Justiça excluiu-o do programa de proteção a testemunhas. Alegou que ele não seguia regras básicas de segurança.
Na última quarta-feira, a pedido do Ministério Público, J.N. foi reinserido no programa. Foi transferido de um albergue numa cidade-satélite de Brasília para uma casa em outro Estado.
Segundo J.N., parte dos "homens de baixo" da "organização" seria recrutada entre pessoas egressas das Forças Armadas. Ele próprio é ex-fuzileiro naval. Os atrativos desse tipo de mão-de-obra seriam os conhecimentos em comunicações e informática, além da habilidade com o manuseio de armamentos.
J.N. citou o nome de deputados federais, senadores, juízes e um governador. Manteriam, segundo ele, relações com a "organização". Prestariam favores a criminosos em troca de dinheiro. A Folha omite os nomes por não haver comprovação do envolvimento das autoridades.
O Ministério Público mantém um pé atrás em relação às "informações" prestadas. Os procuradores receiam que J.N. esteja vitaminando dados com o objetivo de "se valorizar". Por ora, deram-lhe crédito apenas na parte do depoimento que diz respeito às investigações em torno de Arcanjo Ribeiro.
Carecem de apuração os trechos que mencionam o suposto envolvimento de bandidos com licitações públicas em áreas como coleta de lixo e transportes urbanos, contatos com autoridades do Estado, financiamento de campanhas políticas e reuniões de chefões do crime organizado.



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