|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
180 DIAS
Prefeita afirma que "antecipação do calendário eleitoral" dificulta realização de projetos com governos federal e estadual
Marta credita desgaste a ônibus e saúde
SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL
DANIEL BRAMATTI
EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO
Seis meses depois da posse,
Marta Suplicy lembra pouco a
candidata petista da campanha.
As falas fortes e gritadas foram
substituídas por um tom paciente
e conciliador, quase professoral.
Foi nele, na última sexta, que ela
apontou a saúde e os transportes
como as as principais fontes da
insatisfação com seu governo.
Em entrevista concedida à Folha antes de conhecer o resultado
da pesquisa Datafolha que apontou queda na aprovação a seu governo, a prefeita afirmou que a
população vai demorar a perceber as melhorias que as medidas
"amargas" trarão à cidade.
Ela disse ainda estar sentindo
dificuldades para negociar com os
governos tucanos devido às eleições, citando uma suposta "antecipação do calendário eleitoral".
A seguir, trechos da entrevista:
Folha - O governador Mário Covas
disse certa vez que "ou você coloca
a casa em ordem ou não governa. E
isso inclui frustrar a expectativa do
imaginário que o elegeu". A sra.
concorda?
Marta Suplicy - Concordo plenamente. Eu acho que esses primeiros seis meses foram para colocar
a casa em ordem e dar condições
de governabilidade à prefeitura.
Eu recebi não só uma prefeitura
com uma situação financeira
muito difícil, mas organizada de
forma impossível de administrar.
Os cargos existentes não correspondem à realidade. Não havia
uma reorganização administrativa há muitos e muitos anos, e as
nomeações eram feitas de forma
muito estranha. Como não se
queria pagar o preço de uma reforma ou de um aumento de salários para as chefias e o primeiro
escalão, eles entravam pela Prodam e pelo Anhembi.
Todos eram nomeados nesses
lugares, e eles não tinham que fazer face à insatisfação popular ou
à crítica de ter que fazer o que eu
fiz. Eu tive essa clareza: não fui
eleita para nomear gente na Prodam e no Anhembi.
Folha - E em que área a sra. está
frustrando as expectativas?
Marta - Acho que, na questão da
saúde, há uma grande insatisfação popular devido à mudança
[com o fim do PAS". Isso, de certa
forma, era esperado por nós.
A população não tinha que ter
essa clareza de que uma transição
tem um preço, porque ela também não consegue avaliar qual vai
ser o benefício na ponta. Mas ela
vai perceber, daqui a um ano.
Então, isso é um ônus, mas eu tinha que fazer. O preço no período
vai ser alto, depois virão os benefícios na medida em que o sistema
começar a funcionar.
A outra questão que eu acho
que foi um baque grande na minha popularidade foi a questão da
tarifa de ônibus. Mesmo que a
pessoa entenda que a frota vai ser
renovada em mil ônibus, vai demorar até outubro. Enquanto isso
não aparecer, é muito difícil acreditar que o benefício está aí.
Eu poderia ter pago talvez R$
1,35 [valor da tarifa", mas em quatro meses eu ia ter uma nova greve, porque eles iriam dizer que
não dava, que não iam investir
um tostão e não iam assinar nenhum protocolo. Com R$ 1,40, eu
preferi que eles assinassem o protocolo e investissem. Eles assinaram, eu espero que cumpram.
Isso demora um tempo para
acontecer, e esse tempo é um tempo de perda de popularidade.
Folha - A sra. não acha que a demora para concretizar algumas coisas pode levar à descrença no governo e à inquietação de potenciais
aliados? Os sem-teto, por exemplo,
ameaçam retomar as invasões.
Marta - Não, ao contrário. Essa
camada da população está satisfeita porque eu liberei dinheiro
para os mutirões. Hoje eu fiz uma
coisa que é o sonho de um prefeito fazer: a quitação de 60 mil casas
da Cohab, que era aquela coisa
trágica, que a pessoa começa a pagar, já pagou quatro vezes e vai
pagar mais dez anos.
Isso foi foi o governo se mexendo, não precisou de dinheiro. Eu
acho que é por isso que eles estão
tão calmos. Agora, dinheiro, não
tem mesmo. A gente só consegue,
quando, por exemplo, diminui
um contrato que estava superfaturado. Aí sobra um dinheiro.
Folha - Qual a principal dificuldade dos seis primeiros meses?
Marta - A principal dificuldade
foi criar condições de governabilidade. Não foi dinheiro. Dinheiro
não tem, mas dinheiro é um problema sempre, porque as necessidades são infinitas, e o dinheiro é
finito. Mas é você não ter condições de trabalho nas secretarias.
Eu não entendo como eles trabalhavam. Era uma coisa muito,
muito caótica a organização toda
da prefeitura. Então, esses primeiros seis meses foram para reorganizar do jeito mais correto.
Mas isso foi de certa forma impopular, porque eu tive que aumentar salário. Foi mais difícil para fazer. A gente está conseguindo, mas está pagando o ônus.
Folha - A sra. não acha que a população pode não enxergar o tamanho dos problemas da cidade, ficar
frustrada com o governo e isso acabar prejudicando seu partido nas
eleições do ano que vem?
Marta - Não. Eu acho que eles [o
partido" também devem achar
que São Paulo vai ser a vitrine, todo mundo sabe. Mas não tem nenhuma pressão do partido. E eu
acho que no ano que vem já vai
estar melhor. Na terça, eu passei
na avenida Imperador (zona leste). É uma avenida suja, feia, normalmente. Estava limpinha. Nem
eu acreditei. Hoje eu vim pela 23
de Maio e notei que estava limpa,
varrida. Eu começo a notar a diferença. Faz 15 dias que eu começo a
notar diferença na limpeza.
O pouco que a gente tem perna
para fazer na periferia já deu uma
diferença muito grande.
Folha - A sra. citou dois exemplos
de limpeza. A cidade está limpa?
Marta - Não, eu acho que ainda
não dá para dizer que está limpa.
Eu acho que dá para dizer que já
melhorou, saiu da UTI.
Saiu da UTI na limpeza, saiu da
UTI porque as coisas começaram
a entrar nos trilhos, saiu da UTI
nas administrações regionais. Só
que ainda está doente, porque as
pichações da cidade, por exemplo, ainda não foram limpas.
Folha - A sra. falou do aumento da
tarifa e do reajuste dos salário. Soma-se a isso um monte de denúncias, suspeitas, críticas à política de
limpeza e aos contratos do lixo e a
inclusão dos inativos nos gastos
com a educação. A sra. não acha que
isso contraria as propostas do PT?
Marta - Acho que não. Nessa
questão do lixo, eu encurtei a possibilidade da CPI. O que é uma
CPI? Você faz toda a investigação
e, se houver acusações ou fato determinante, leva ao Ministério
Público. Como eu achei que não
tinha fato determinante, mas uma
jogada política, eu peguei todos os
documentos que eu tinha, levei
no Ministério Público direto e falei: "Investiga". E já mandei duas
cartas para eles dizendo: "Façam
o favor de serem ágeis, porque eu
gostaria de ter uma resposta".
Falei para a minha bancada que
eu sou a favor até de fazer a tal da
emenda [ao Regimento da Câmara" para acelerar [e instaurar uma
sexta CPI".
Eles não quiseram porque ia banalizar o regimento, porque era
bobagem ficar fazendo isso se que
dá para esperar até agosto. Eu falei: "Olha, eu discordo, eu faria
já". Mas aí há a independência.
Eles resolveram arcar com os
ônus disso. Eu já não tinha mais
nem um minuto de paciência para arcar com esse ônus.
Folha - E os inativos?
Marta - Quando começou essa
discussão, eu pedi para levantar
no PT como era a posição formal.
Aí, para minha surpresa, 87 prefeituras do PT incluem inativos
[no cálculo dos gastos obrigatórios com educação". Eu, pessoalmente, gostaria que não fosse incluído.
Mas como prefeita de São Paulo, com esse orçamento e nessa situação, eu não posso ter outra atitude. Como canetada eu não tenho a menor possibilidade de fazer. Chega quase a R$ 500 milhões. Onde eu vou arrumar R$
500 milhões para pagar? Eu não
tenho como.
O meu partido é exatamente como eu já sabia: tem uma parte que
é a favor de tirar os inativos, uma
parte que é contra, e [o partido"
não tem posição formal sobre a
questão. A minha já dei.
Folha - A sra. tinha uma proposta
de criar 100 mil empregos. A sra.
tem idéia de quantos já criou?
Marta -No Renda Mínima, Bolsa
Trabalho e Começar de Novo, nós
vamos atender 60 mil famílias e
mais 24 mil pessoas.
Folha - E a sra. conta como emprego?
Marta - É. É salário, é dinheiro. É
isso que eu fico com pena de a população não saber. Ontem, quando eu fui entregar os cartões magnéticos em Lajeado, eu falei para
as pessoas: "Olha, não comprem
fora do bairro com esse dinheiro.
Comprem no bar da esquina, no
supermercado do bairro, o tênis
na lojinha". Por quê? Porque é a
única forma de você criar emprego aqui na região.
Folha - Quando vai haver solução
para os problemas de trânsito e
transporte?
Marta - Tem que sair o empréstimo do BNDES para a gente agilizar os corredores e fazer o Fura-fila. Nós também vamos entrar na
linha 4 do metrô para agilizar.
A solução para São Paulo é metrô, mas eu não posso ser responsabilizada por 40 anos de não
construção e de não pensar com
consciência o transporte.
Em seis meses, não posso me
responsabilizar pelo transporte
de uma cidade que tomou todas
as decisões equivocadas nesses últimos 40 anos. Nós criamos o nosso metrô na mesma época que o
México, no final dos anos 60. Eles
têm 200 quilômetros, nós, 49.
Então, a prioridade da prefeitura tem que ser o metrô. Tem que
fazer a parceria com o Estado,
com o capital privado. Agora, metrô não sai rápido.
Folha - O que a prefeitura pode
dar é desapropriação? Não dá para
financiar nada.
Marta - É, mas é bastante. Mas
com operação urbana dá [para
dar dinheiro". No Vila Sônia, no
terminal, dá para fazer uma operação urbana para valer, que aí a
gente tem dinheiro para ajudar. E
os corredores, nós podemos fazer,
porque o corredor é viável, e a
gente pode fazer mais rápido e já
diminuiria o tempo [dos trajetos".
Folha - Com o dinheiro do BNDES?
Marta - É. Agora, esse dinheiro
do BNDES, é bom colocar, estava
pronto para sair em março e de
repente complicou, virou a maior
dificuldade. Infelizmente, o calendário eleitoral foi antecipado, e eu
tenho notado isso em todas as
parcerias com o governo do Estado. A frente de trabalho, por
exemplo. O Barelli [Walter Barelli, secretário de Estado do Trabalho" está totalmente de acordo em
ser parceiro no Banco do Povo, a
frente de trabalho já estava acordada e, de repente, ele diz que
agora tem que interromper até vir
a ordem superior. Não sei o que é
isso. Dei uma ordem para o Rui
Falcão ir conversar.
Folha - A sra. acha que o desempenho eleitoral do partido está
atrapalhando?
Marta - Eu não tenho nenhuma
dúvida. A força do PT para a eleição de 2002 faz com que todas as
baterias do PSDB se organizem
contra a Prefeitura de São Paulo.
É como se eles pusessem toda a
energia focada em criar dificuldades para a cidade. O governador,
aparentemente, se mantém distante disso, mas talvez seja a pessoa que coordena. Nada mais me
surpreende.
Folha - Oposição e críticos do seu
governo falam que o começo da administração foi marcado por factóides: tarjas nos outdoors, almoço
com mendigos, psicodrama.
Marta - Sobre o povo da rua, foram colocadas 12 vans que percorrem a cidade. Mas as pessoas
não querem ir para albergue, porque têm medo de deixar os pertences. Você não pode, pela lei,
colocar as pessoas dentro da van e
levar. Então isso cria uma dificuldade de eliminar essas pessoas da
rua e dos olhos de quem está
quentinho.
O outro factóide, que você chamou de factóide, os outdoors. Eu
achei que estava muito lerdo o
processo. Agora demos uma dura
novamente e vão ser retirados no
próximo mês todos os que estão
irregulares em áreas da prefeitura.
Não sendo retirados, aí a prefeitura vai retirar para valer.
Porque foi dado um prazo, eles
descumpriram, pediram mais um
tempo, nós demos o tempo, e nada aconteceu. A gente está tentando ir de forma amena, conversar,
convocar, tentar fazer um acordo,
dar a chance de o acordo ser cumprido. Se não é, você entra com
mais autoridade. A gente não
quer chegar, passar trator, retirar,
multar. Não está sendo assim.
Folha - O caixa está apertadíssimo e a crise energética deve diminuir ainda mais as receitas. Talvez
a sra. tenha que investir ainda menos. Como lidar com isso e com as
expectativas gerais?
Marta - Cada dia é um dia. Por
dia, são uns cinco leões que a gente mata. Todo dia tenho que tomar decisão de cortar. Não é fácil.
Texto Anterior: Número de usuários de ônibus continua longe da meta fixada Próximo Texto: Outro lado: Banco nega haver critério político para reter verbas Índice
|