São Paulo, domingo, 01 de julho de 2001

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180 DIAS
Prefeita afirma que "antecipação do calendário eleitoral" dificulta realização de projetos com governos federal e estadual
Marta credita desgaste a ônibus e saúde

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

DANIEL BRAMATTI
EDITOR-ADJUNTO DE COTIDIANO

Seis meses depois da posse, Marta Suplicy lembra pouco a candidata petista da campanha. As falas fortes e gritadas foram substituídas por um tom paciente e conciliador, quase professoral.
Foi nele, na última sexta, que ela apontou a saúde e os transportes como as as principais fontes da insatisfação com seu governo.
Em entrevista concedida à Folha antes de conhecer o resultado da pesquisa Datafolha que apontou queda na aprovação a seu governo, a prefeita afirmou que a população vai demorar a perceber as melhorias que as medidas "amargas" trarão à cidade.
Ela disse ainda estar sentindo dificuldades para negociar com os governos tucanos devido às eleições, citando uma suposta "antecipação do calendário eleitoral".
A seguir, trechos da entrevista:

Folha - O governador Mário Covas disse certa vez que "ou você coloca a casa em ordem ou não governa. E isso inclui frustrar a expectativa do imaginário que o elegeu". A sra. concorda?
Marta Suplicy -
Concordo plenamente. Eu acho que esses primeiros seis meses foram para colocar a casa em ordem e dar condições de governabilidade à prefeitura.
Eu recebi não só uma prefeitura com uma situação financeira muito difícil, mas organizada de forma impossível de administrar.
Os cargos existentes não correspondem à realidade. Não havia uma reorganização administrativa há muitos e muitos anos, e as nomeações eram feitas de forma muito estranha. Como não se queria pagar o preço de uma reforma ou de um aumento de salários para as chefias e o primeiro escalão, eles entravam pela Prodam e pelo Anhembi.
Todos eram nomeados nesses lugares, e eles não tinham que fazer face à insatisfação popular ou à crítica de ter que fazer o que eu fiz. Eu tive essa clareza: não fui eleita para nomear gente na Prodam e no Anhembi.

Folha - E em que área a sra. está frustrando as expectativas?
Marta -
Acho que, na questão da saúde, há uma grande insatisfação popular devido à mudança [com o fim do PAS". Isso, de certa forma, era esperado por nós.
A população não tinha que ter essa clareza de que uma transição tem um preço, porque ela também não consegue avaliar qual vai ser o benefício na ponta. Mas ela vai perceber, daqui a um ano.
Então, isso é um ônus, mas eu tinha que fazer. O preço no período vai ser alto, depois virão os benefícios na medida em que o sistema começar a funcionar.
A outra questão que eu acho que foi um baque grande na minha popularidade foi a questão da tarifa de ônibus. Mesmo que a pessoa entenda que a frota vai ser renovada em mil ônibus, vai demorar até outubro. Enquanto isso não aparecer, é muito difícil acreditar que o benefício está aí.
Eu poderia ter pago talvez R$ 1,35 [valor da tarifa", mas em quatro meses eu ia ter uma nova greve, porque eles iriam dizer que não dava, que não iam investir um tostão e não iam assinar nenhum protocolo. Com R$ 1,40, eu preferi que eles assinassem o protocolo e investissem. Eles assinaram, eu espero que cumpram.
Isso demora um tempo para acontecer, e esse tempo é um tempo de perda de popularidade.

Folha - A sra. não acha que a demora para concretizar algumas coisas pode levar à descrença no governo e à inquietação de potenciais aliados? Os sem-teto, por exemplo, ameaçam retomar as invasões.
Marta -
Não, ao contrário. Essa camada da população está satisfeita porque eu liberei dinheiro para os mutirões. Hoje eu fiz uma coisa que é o sonho de um prefeito fazer: a quitação de 60 mil casas da Cohab, que era aquela coisa trágica, que a pessoa começa a pagar, já pagou quatro vezes e vai pagar mais dez anos.
Isso foi foi o governo se mexendo, não precisou de dinheiro. Eu acho que é por isso que eles estão tão calmos. Agora, dinheiro, não tem mesmo. A gente só consegue, quando, por exemplo, diminui um contrato que estava superfaturado. Aí sobra um dinheiro.

Folha - Qual a principal dificuldade dos seis primeiros meses?
Marta -
A principal dificuldade foi criar condições de governabilidade. Não foi dinheiro. Dinheiro não tem, mas dinheiro é um problema sempre, porque as necessidades são infinitas, e o dinheiro é finito. Mas é você não ter condições de trabalho nas secretarias. Eu não entendo como eles trabalhavam. Era uma coisa muito, muito caótica a organização toda da prefeitura. Então, esses primeiros seis meses foram para reorganizar do jeito mais correto.
Mas isso foi de certa forma impopular, porque eu tive que aumentar salário. Foi mais difícil para fazer. A gente está conseguindo, mas está pagando o ônus.

Folha - A sra. não acha que a população pode não enxergar o tamanho dos problemas da cidade, ficar frustrada com o governo e isso acabar prejudicando seu partido nas eleições do ano que vem?
Marta -
Não. Eu acho que eles [o partido" também devem achar que São Paulo vai ser a vitrine, todo mundo sabe. Mas não tem nenhuma pressão do partido. E eu acho que no ano que vem já vai estar melhor. Na terça, eu passei na avenida Imperador (zona leste). É uma avenida suja, feia, normalmente. Estava limpinha. Nem eu acreditei. Hoje eu vim pela 23 de Maio e notei que estava limpa, varrida. Eu começo a notar a diferença. Faz 15 dias que eu começo a notar diferença na limpeza.
O pouco que a gente tem perna para fazer na periferia já deu uma diferença muito grande.

Folha - A sra. citou dois exemplos de limpeza. A cidade está limpa?
Marta -
Não, eu acho que ainda não dá para dizer que está limpa. Eu acho que dá para dizer que já melhorou, saiu da UTI.
Saiu da UTI na limpeza, saiu da UTI porque as coisas começaram a entrar nos trilhos, saiu da UTI nas administrações regionais. Só que ainda está doente, porque as pichações da cidade, por exemplo, ainda não foram limpas.

Folha - A sra. falou do aumento da tarifa e do reajuste dos salário. Soma-se a isso um monte de denúncias, suspeitas, críticas à política de limpeza e aos contratos do lixo e a inclusão dos inativos nos gastos com a educação. A sra. não acha que isso contraria as propostas do PT?
Marta -
Acho que não. Nessa questão do lixo, eu encurtei a possibilidade da CPI. O que é uma CPI? Você faz toda a investigação e, se houver acusações ou fato determinante, leva ao Ministério Público. Como eu achei que não tinha fato determinante, mas uma jogada política, eu peguei todos os documentos que eu tinha, levei no Ministério Público direto e falei: "Investiga". E já mandei duas cartas para eles dizendo: "Façam o favor de serem ágeis, porque eu gostaria de ter uma resposta".
Falei para a minha bancada que eu sou a favor até de fazer a tal da emenda [ao Regimento da Câmara" para acelerar [e instaurar uma sexta CPI".
Eles não quiseram porque ia banalizar o regimento, porque era bobagem ficar fazendo isso se que dá para esperar até agosto. Eu falei: "Olha, eu discordo, eu faria já". Mas aí há a independência. Eles resolveram arcar com os ônus disso. Eu já não tinha mais nem um minuto de paciência para arcar com esse ônus.

Folha - E os inativos?
Marta -
Quando começou essa discussão, eu pedi para levantar no PT como era a posição formal. Aí, para minha surpresa, 87 prefeituras do PT incluem inativos [no cálculo dos gastos obrigatórios com educação". Eu, pessoalmente, gostaria que não fosse incluído.
Mas como prefeita de São Paulo, com esse orçamento e nessa situação, eu não posso ter outra atitude. Como canetada eu não tenho a menor possibilidade de fazer. Chega quase a R$ 500 milhões. Onde eu vou arrumar R$ 500 milhões para pagar? Eu não tenho como.
O meu partido é exatamente como eu já sabia: tem uma parte que é a favor de tirar os inativos, uma parte que é contra, e [o partido" não tem posição formal sobre a questão. A minha já dei.

Folha - A sra. tinha uma proposta de criar 100 mil empregos. A sra. tem idéia de quantos já criou?
Marta -
No Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo, nós vamos atender 60 mil famílias e mais 24 mil pessoas.

Folha - E a sra. conta como emprego?
Marta -
É. É salário, é dinheiro. É isso que eu fico com pena de a população não saber. Ontem, quando eu fui entregar os cartões magnéticos em Lajeado, eu falei para as pessoas: "Olha, não comprem fora do bairro com esse dinheiro. Comprem no bar da esquina, no supermercado do bairro, o tênis na lojinha". Por quê? Porque é a única forma de você criar emprego aqui na região.

Folha - Quando vai haver solução para os problemas de trânsito e transporte?
Marta -
Tem que sair o empréstimo do BNDES para a gente agilizar os corredores e fazer o Fura-fila. Nós também vamos entrar na linha 4 do metrô para agilizar.
A solução para São Paulo é metrô, mas eu não posso ser responsabilizada por 40 anos de não construção e de não pensar com consciência o transporte.
Em seis meses, não posso me responsabilizar pelo transporte de uma cidade que tomou todas as decisões equivocadas nesses últimos 40 anos. Nós criamos o nosso metrô na mesma época que o México, no final dos anos 60. Eles têm 200 quilômetros, nós, 49.
Então, a prioridade da prefeitura tem que ser o metrô. Tem que fazer a parceria com o Estado, com o capital privado. Agora, metrô não sai rápido.

Folha - O que a prefeitura pode dar é desapropriação? Não dá para financiar nada.
Marta -
É, mas é bastante. Mas com operação urbana dá [para dar dinheiro". No Vila Sônia, no terminal, dá para fazer uma operação urbana para valer, que aí a gente tem dinheiro para ajudar. E os corredores, nós podemos fazer, porque o corredor é viável, e a gente pode fazer mais rápido e já diminuiria o tempo [dos trajetos".

Folha - Com o dinheiro do BNDES?
Marta -
É. Agora, esse dinheiro do BNDES, é bom colocar, estava pronto para sair em março e de repente complicou, virou a maior dificuldade. Infelizmente, o calendário eleitoral foi antecipado, e eu tenho notado isso em todas as parcerias com o governo do Estado. A frente de trabalho, por exemplo. O Barelli [Walter Barelli, secretário de Estado do Trabalho" está totalmente de acordo em ser parceiro no Banco do Povo, a frente de trabalho já estava acordada e, de repente, ele diz que agora tem que interromper até vir a ordem superior. Não sei o que é isso. Dei uma ordem para o Rui Falcão ir conversar.

Folha - A sra. acha que o desempenho eleitoral do partido está atrapalhando?
Marta -
Eu não tenho nenhuma dúvida. A força do PT para a eleição de 2002 faz com que todas as baterias do PSDB se organizem contra a Prefeitura de São Paulo.
É como se eles pusessem toda a energia focada em criar dificuldades para a cidade. O governador, aparentemente, se mantém distante disso, mas talvez seja a pessoa que coordena. Nada mais me surpreende.

Folha - Oposição e críticos do seu governo falam que o começo da administração foi marcado por factóides: tarjas nos outdoors, almoço com mendigos, psicodrama.
Marta -
Sobre o povo da rua, foram colocadas 12 vans que percorrem a cidade. Mas as pessoas não querem ir para albergue, porque têm medo de deixar os pertences. Você não pode, pela lei, colocar as pessoas dentro da van e levar. Então isso cria uma dificuldade de eliminar essas pessoas da rua e dos olhos de quem está quentinho.
O outro factóide, que você chamou de factóide, os outdoors. Eu achei que estava muito lerdo o processo. Agora demos uma dura novamente e vão ser retirados no próximo mês todos os que estão irregulares em áreas da prefeitura. Não sendo retirados, aí a prefeitura vai retirar para valer.
Porque foi dado um prazo, eles descumpriram, pediram mais um tempo, nós demos o tempo, e nada aconteceu. A gente está tentando ir de forma amena, conversar, convocar, tentar fazer um acordo, dar a chance de o acordo ser cumprido. Se não é, você entra com mais autoridade. A gente não quer chegar, passar trator, retirar, multar. Não está sendo assim.

Folha - O caixa está apertadíssimo e a crise energética deve diminuir ainda mais as receitas. Talvez a sra. tenha que investir ainda menos. Como lidar com isso e com as expectativas gerais?
Marta -
Cada dia é um dia. Por dia, são uns cinco leões que a gente mata. Todo dia tenho que tomar decisão de cortar. Não é fácil.



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