São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Geração criada em condomínio testa limites na Barra da Tijuca

Agressão a empregada doméstica por jovens de classe alta expõe área nobre do Rio de Janeiro em que vandalismo e incivilidade se espalham pela noite

Rafael Andrade/Folha Imagem
Prostituta aguarda clientes em avenida da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro; local é palco freqüente de hostilidades

ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO

Cuidado, você está na Barra. Desde um roubo de cone a agressões a pessoas em ponto de ônibus, os freqüentadores da noite da Barra da Tijuca (zona oeste do Rio) têm histórias de incivilidade -seja como autores, vítimas ou espectadores.
"Sorria, você está na Barra", ainda diz a placa no acesso à entrada do bairro, um resumo do compromisso com a felicidade das classes média e alta que intensificaram a migração para a região nos anos 80.
A sucessão de vandalismo que periodicamente assusta o bairro teve um novo capítulo na semana passada, quando um grupo de cinco jovens de classe média agrediu uma doméstica, uma manicure, duas prostitutas e um rapaz em pontos de ônibus e um posto de gasolina.
"As pessoas se tornam diferentes pelas suas maluquices", definiu a estudante Viviane Potter, 25. Moradora de Jacarepaguá e freqüentadora da noite da Barra, ela diz não gostar muito do "estilo" do bairro.
O estilo a que Potter se refere pode ser caracterizado por relatos colhidos pela Folha sobre Júlio Junqueira, 21, um dos envolvidos no caso da doméstica Sirlei Dias de Carvalho, 32. Segundo amigos, o rapaz circulava recentemente pelo bairro dirigindo um carro esportivo de luxo, Mitsubishi L 200.
Assim como ele, diversos jovens circulam por boates e postos de gasolina do bairro, em uma busca sem fim pelo melhor local da noite. Às vezes, acabam na avenida Lúcio Costa, na praia, onde se concentram cerca de 50 prostitutas, alvos de xingamentos.
"[O Júlio] Não tinha personalidade, [fazia besteiras] mais para se auto-afirmar. Quando queria ser gente-boa, era", afirmou um colega de Júlio, que pediu para não ser identificado.
A auto-afirmação é uma das características apontadas por especialistas como um dos motivos para vandalismos. "Esses jovens estão construindo a sua identidade a partir do teste dos limites. Em alguns casos, são coisas pequenas, como roubo de cones. Uma minoria exagera", afirmou o sociólogo Julio Jacobo.
Foi o roubo de um cone, por exemplo, que levou Márcio Pereira, 21, à prisão em Ubatuba (SP). Após discutir com o delegado, foi detido por dois dias por desacato à autoridade. "A gente era turista, estava levando dinheiro para lá. Acho que ele prendeu a gente mais por ser carioca", afirmou.
Nas portas das boates, não há dúvidas sobre o principal motivo do aumento da "audácia" na noite do bairro: o álcool.
Para diminuir os casos de confusões em suas dependências, muitos postos de gasolina proibiram o consumo de bebidas alcoólicas dentro das lojas de conveniência.
Mas, dentro das boates, não há jeito, e motivos banais estimulam brigas. Inclusive entre mulheres. "Eu estava no banheiro, e uma menina pisou no pé. Reclamei, ela me desafiou, eu a xinguei, e aí ela me enforcou na pia e mordeu meu dedo", narrou Luciana Cirne, 30.
A coordenadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves), Simone de Aguiar, diz que, muitas vezes, a sociedade aceita a violência. "Bater em bandido é considerado normal para muitos, por exemplo.
A violência acaba sendo uma forma de resolver os conflitos."
"As famílias se mudam para esses condomínios para fugir da violência, da vida concreta.
Acabam fazendo com que essas crianças cresçam sem ver a vida real, com mendigos, prostitutas etc.", afirmou Aguiar.
"Vivem em um ambiente com pares iguais e, quando saem, às vezes não toleram a diferença", completou.

Colaborou RAPHAEL GOMIDE


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