São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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James, grávida de 2 meses, precisa provar que é mulher

Na certidão de nascimento foi anotado sexo masculino; ela não consegue fazer pré-natal

Jovem de 16 anos, moradora do Jardim Ângela que nasceu no interior da Bahia, também não pode se casar nem registrar o bebê

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Esta é a história de James Alves da Silva, 16, baiana da zona rural da pequena cidade de Banco Central, que migrou para São Paulo aos três anos, trazida pela família.
Grávida de dois meses (isso mesmo, James é mulher), ela enfrenta problemas porque precisa fazer uma operação para mudança de sexo. Operação é modo de dizer, a mudança é só no papel. Isso porque James (pronuncia-se assim, como se lê, aportuguesado com "a" -e não na forma inglesa "Jeimes") foi registrada como menino.
Por ser homem para os registros públicos do Estado, a gestante não consegue fazer o pré-natal e os exames habituais decorrentes da gravidez.
Pior: não pode agendar o parto no sistema público de saúde. A explicação dada no posto da Chácara Santa Maria é que, por ter sido registrado como homem, o procedimento poderia caracterizar fraude. James terá de ser atendida na emergência quando estiver em trabalho de parto.
Os problemas não param por aí. Ela não pode se casar com o namorado, o pintor de paredes José Rocha Pereira, 28, com quem já mora há cinco meses. É que a legislação brasileira não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
James não poderá ainda registrar a criança em cartório porque não é possível lavrar filho de homem com homem.

Desatenção
O erro que hoje complica o dia-a-dia dela ocorreu, segundo a família, por desatenção do funcionário do cartório que, seduzido pelo nome masculino, trocou o sexo da menina.
James estudou até a oitava série sem que, segundo parentes, ninguém se desse conta ou criasse algum empecilho por conta do sexo trocado.
A família só percebeu o erro quando James tinha 15 anos e decidiu tirar a carteira de identidade. A emissão do documento foi negada. Com a gravidez, vieram as complicações. Os pais de James dizem saber ler "mais ou menos". Outra coisa: James e os irmãos foram registrados de uma só vez, num só dia, o que pode ter contribuído para a falta de atenção.

Cartórios
Os tabeliães de São Paulo dizem não poder alterar a certidão de nascimento. É preciso voltar a Banco Central, no interior da Bahia, para retificar o livro de registros.
Problema: o tabelionato da cidade foi transferido para Ilhéus, o pólo da região, e nenhum funcionário daquela época existe mais.
Em outubro passado, Ana Célia Alves da Silva, 37, empregada doméstica e babá, mãe de James, voltou ao Nordeste para resolver o erro de 16 anos.
Ouviu um "não" do notário. Foi exigido que a menina estivesse lá para entrar com ação em juízo, por meio de advogado. As duas, mãe e filha, teriam de ficar em Ilhéus durante o trâmite do processo.
Como não podia deixar o emprego e os outros cinco filhos (Jamile, Salatiel, Gessé, Jeziel e Gemina) em São Paulo, Ana Célia voltou. Procurou um advogado, que pediu R$ 700 para assumir o caso (ela ganha R$ 600 por mês), e mais uma vez desistiu. Agora quer ajuda de um defensor público ou algum escritório modelo de qualquer faculdade de direito.

Zona sul
James e o marido, José, que não é marido, é companheiro, moram no Jardim Ângela (zona sul), considerado, no passado, bairro dos mais violentos.
Pagam R$ 150 de aluguel de uma casa de um quarto.
Na sala da casa de um quarto, a menina registrada como homem ainda guarda as bonecas da infância. Na parede da cozinha, a foto de um condomínio de luxo "da zona sul", embora ali também seja zona sul, em que James e o marido sonham em morar um dia.
O casal não trabalha. Ela deixou os estudos na oitava série, ele recebe parcelas de R$ 450 do seguro-desemprego.
Após questionamento da reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde interveio e agendou uma consulta no posto de saúde da região. James vai pela primeira vez ao ginecologista na próxima quinta-feira, dia 5.


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