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James, grávida de 2 meses, precisa provar que é mulher
Na certidão de nascimento foi anotado sexo masculino; ela não consegue fazer pré-natal
Jovem de 16 anos, moradora do Jardim Ângela que nasceu no interior da Bahia, também não pode se casar nem registrar o bebê
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Esta é a história de James Alves da Silva, 16, baiana da zona
rural da pequena cidade de
Banco Central, que migrou para São Paulo aos três anos, trazida pela família.
Grávida de dois meses (isso
mesmo, James é mulher), ela
enfrenta problemas porque
precisa fazer uma operação para mudança de sexo. Operação
é modo de dizer, a mudança é só
no papel. Isso porque James
(pronuncia-se assim, como se
lê, aportuguesado com "a" -e
não na forma inglesa "Jeimes")
foi registrada como menino.
Por ser homem para os registros públicos do Estado, a gestante não consegue fazer o pré-natal e os exames habituais decorrentes da gravidez.
Pior: não pode agendar o parto no sistema público de saúde.
A explicação dada no posto da
Chácara Santa Maria é que, por
ter sido registrado como homem, o procedimento poderia
caracterizar fraude. James terá
de ser atendida na emergência
quando estiver em trabalho de
parto.
Os problemas não param por
aí. Ela não pode se casar com o
namorado, o pintor de paredes
José Rocha Pereira, 28, com
quem já mora há cinco meses. É
que a legislação brasileira não
reconhece o casamento entre
pessoas do mesmo sexo.
James não poderá ainda registrar a criança em cartório
porque não é possível lavrar filho de homem com homem.
Desatenção
O erro que hoje complica o
dia-a-dia dela ocorreu, segundo
a família, por desatenção do
funcionário do cartório que, seduzido pelo nome masculino,
trocou o sexo da menina.
James estudou até a oitava
série sem que, segundo parentes, ninguém se desse conta ou
criasse algum empecilho por
conta do sexo trocado.
A família só percebeu o erro
quando James tinha 15 anos e
decidiu tirar a carteira de identidade. A emissão do documento foi negada. Com a gravidez,
vieram as complicações. Os
pais de James dizem saber ler
"mais ou menos". Outra coisa:
James e os irmãos foram registrados de uma só vez, num só
dia, o que pode ter contribuído
para a falta de atenção.
Cartórios
Os tabeliães de São Paulo dizem não poder alterar a certidão de nascimento. É preciso
voltar a Banco Central, no interior da Bahia, para retificar o livro de registros.
Problema: o tabelionato da
cidade foi transferido para
Ilhéus, o pólo da região, e nenhum funcionário daquela
época existe mais.
Em outubro passado, Ana
Célia Alves da Silva, 37, empregada doméstica e babá, mãe de
James, voltou ao Nordeste para
resolver o erro de 16 anos.
Ouviu um "não" do notário.
Foi exigido que a menina estivesse lá para entrar com ação
em juízo, por meio de advogado. As duas, mãe e filha, teriam
de ficar em Ilhéus durante o
trâmite do processo.
Como não podia deixar o emprego e os outros cinco filhos
(Jamile, Salatiel, Gessé, Jeziel e
Gemina) em São Paulo, Ana
Célia voltou. Procurou um advogado, que pediu R$ 700 para
assumir o caso (ela ganha R$
600 por mês), e mais uma vez
desistiu. Agora quer ajuda de
um defensor público ou algum
escritório modelo de qualquer
faculdade de direito.
Zona sul
James e o marido, José, que
não é marido, é companheiro,
moram no Jardim Ângela (zona sul), considerado, no passado, bairro dos mais violentos.
Pagam R$ 150 de aluguel de
uma casa de um quarto.
Na sala da casa de um quarto,
a menina registrada como homem ainda guarda as bonecas
da infância. Na parede da cozinha, a foto de um condomínio
de luxo "da zona sul", embora
ali também seja zona sul, em
que James e o marido sonham
em morar um dia.
O casal não trabalha. Ela deixou os estudos na oitava série,
ele recebe parcelas de R$ 450
do seguro-desemprego.
Após questionamento da reportagem, a Secretaria Municipal da Saúde interveio e agendou uma consulta no posto de
saúde da região. James vai pela
primeira vez ao ginecologista
na próxima quinta-feira, dia 5.
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