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PASQUALE CIPRO NETO
Consultando dicionários e minidicionários
O texto da semana passada deu o que falar. Muitos
leitores escreveram para dizer
que seguiram minha recomendação, ou seja, consultaram os dicionários, mas não "descobriram" a origem de "vaga-lume".
A maioria desses leitores não
informou em que dicionário(s) foi
feita a consulta, mas deduzo que
o acervo pesquisado seja composto de minidicionários. Não há
mágica, caro leitor. Nos minidicionários não há espaço para a
etimologia. A maior parte deles
traz basicamente a definição dos
vocábulos de maior incidência
(de uso e de procura).
Minidicionários são ótimos. Na
rua, no escritório, na mochila escolar -fora de casa, enfim. Em
casa, é preciso ter um dos grandes,
ou melhor, dois ou mais. Quem
procurou "vaga-lume" no "Michaelis", por exemplo, encontrou
a definição, mas não a origem. O
"Aurélio" e o "Houaiss" dão a definição, a origem e uma vasta,
vastíssima lista de sinônimos
(muitos deles impublicáveis) do
simpático "pirilampo".
O episódio do vaga-lume pode
servir de mote para que, mais
uma vez, conversemos sobre dicionários. Tenho ouvido muita
gente reclamar de dificuldades no
manuseio do portentoso
"Houaiss". Umberto Eco diz que
os grandes livros cobram caro pelo ingresso. O mestre italiano quer
dizer que, antes de saborear as
delícias de uma obra, é preciso
"penar" na leitura muitas vezes
árida das primeiras páginas.
Mutatis mutandis, é o que se deve fazer quando se consulta um
grande dicionário. Se se quer ter
familiaridade com ele (e é fundamental tê-la para que as consultas produzam resultados concretos), devem-se ler as observações e
as instruções iniciais.
Quer um exemplo bem simples?
O dos sinais e abreviaturas que se
encontram antes das definições
dos vocábulos. Quem procura
"azul-marinho" no "Aurélio",
por exemplo, encontra esta sequência: "Adj. 2 g. e 2 n.". Que significa isso? Que, como adjetivo,
"azul-marinho" não tem variação de gênero ("2 g." -"dois gêneros"-, masculino e feminino
iguais) e não tem variação de número ("2 n." -dois números-,
singular e plural iguais).
Em outras palavras, isso significa que o sapato é azul-marinho, a
blusa é azul-marinho, os sapatos
são azul-marinho e as blusas são
azul-marinho. Até aí, tudo parece
óbvio. O problema é que, depois
da definição do adjetivo "azul-marinho", o "Aurélio" fala do "S.
m." (substantivo masculino), que
define simplesmente como "essa
cor". Que é isso? É a cor em si, em
seu valor substantivo: "Gosto
muito do azul-marinho".
O "Aurélio" encerra o verbete
com esta observação: "Pl. do s. m.:
azuis-marinhos". Quem não lê
direito ou não leva em conta os sinais e abreviaturas pode terminar a consulta pior do que quando começou. "Afinal de contas, o
plural de "azul-marinho" é "azul-marinho" ou "azuis-marinhos'?",
pode perguntar o consulente.
A resposta é "depende". Alguém
pode dizer que não gostou de nenhum dos carros azul-marinho,
assim como pode dizer que não
gostou de nenhum dos azuis-marinhos apresentados numa pesquisa sobre cores de automóveis.
Como sempre digo neste espaço,
a solução dessa e de tantas questões linguísticas é relativa. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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