São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

Consultando dicionários e minidicionários

O texto da semana passada deu o que falar. Muitos leitores escreveram para dizer que seguiram minha recomendação, ou seja, consultaram os dicionários, mas não "descobriram" a origem de "vaga-lume".
A maioria desses leitores não informou em que dicionário(s) foi feita a consulta, mas deduzo que o acervo pesquisado seja composto de minidicionários. Não há mágica, caro leitor. Nos minidicionários não há espaço para a etimologia. A maior parte deles traz basicamente a definição dos vocábulos de maior incidência (de uso e de procura).
Minidicionários são ótimos. Na rua, no escritório, na mochila escolar -fora de casa, enfim. Em casa, é preciso ter um dos grandes, ou melhor, dois ou mais. Quem procurou "vaga-lume" no "Michaelis", por exemplo, encontrou a definição, mas não a origem. O "Aurélio" e o "Houaiss" dão a definição, a origem e uma vasta, vastíssima lista de sinônimos (muitos deles impublicáveis) do simpático "pirilampo".
O episódio do vaga-lume pode servir de mote para que, mais uma vez, conversemos sobre dicionários. Tenho ouvido muita gente reclamar de dificuldades no manuseio do portentoso "Houaiss". Umberto Eco diz que os grandes livros cobram caro pelo ingresso. O mestre italiano quer dizer que, antes de saborear as delícias de uma obra, é preciso "penar" na leitura muitas vezes árida das primeiras páginas.
Mutatis mutandis, é o que se deve fazer quando se consulta um grande dicionário. Se se quer ter familiaridade com ele (e é fundamental tê-la para que as consultas produzam resultados concretos), devem-se ler as observações e as instruções iniciais.
Quer um exemplo bem simples? O dos sinais e abreviaturas que se encontram antes das definições dos vocábulos. Quem procura "azul-marinho" no "Aurélio", por exemplo, encontra esta sequência: "Adj. 2 g. e 2 n.". Que significa isso? Que, como adjetivo, "azul-marinho" não tem variação de gênero ("2 g." -"dois gêneros"-, masculino e feminino iguais) e não tem variação de número ("2 n." -dois números-, singular e plural iguais).
Em outras palavras, isso significa que o sapato é azul-marinho, a blusa é azul-marinho, os sapatos são azul-marinho e as blusas são azul-marinho. Até aí, tudo parece óbvio. O problema é que, depois da definição do adjetivo "azul-marinho", o "Aurélio" fala do "S. m." (substantivo masculino), que define simplesmente como "essa cor". Que é isso? É a cor em si, em seu valor substantivo: "Gosto muito do azul-marinho".
O "Aurélio" encerra o verbete com esta observação: "Pl. do s. m.: azuis-marinhos". Quem não lê direito ou não leva em conta os sinais e abreviaturas pode terminar a consulta pior do que quando começou. "Afinal de contas, o plural de "azul-marinho" é "azul-marinho" ou "azuis-marinhos'?", pode perguntar o consulente.
A resposta é "depende". Alguém pode dizer que não gostou de nenhum dos carros azul-marinho, assim como pode dizer que não gostou de nenhum dos azuis-marinhos apresentados numa pesquisa sobre cores de automóveis.
Como sempre digo neste espaço, a solução dessa e de tantas questões linguísticas é relativa. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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