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SAÚDE
Santa Casa deu prazo ao instituto e pode entrar na Justiça para retomar terreno ocupado há 70 anos
Despejo ameaça Instituto do Câncer
da Reportagem Local
O início do relacionamento foi
em 1924. O casamento definitivo
ocorreu em 1929. Passados 70
anos, podem se separar. Não é a
primeira vez que se desentendem.
Mas agora a coisa parece ser mais
séria.
A Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo quer se livrar do convívio com o Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho. No último mês de junho, enviou carta
dando ao instituto um prazo de 30
dias para devolver o terreno que
ocupa há sete décadas, na rua Dr.
Cesário Motta Júnior, na região
central de São Paulo.
O prazo venceu na semana passada. Como o Instituto do Câncer
não se mexeu, a Santa Casa já prepara uma ação judicial.
Os prédios das duas instituições
são praticamente geminados. O
da Santa Casa atravessa todo um
quarteirão. O do instituto ocupa
uma pequena porção do terreno.
Se quisessem conversar pessoalmente, o provedor da Santa
Casa, Waldemar de Carvalho Pinto Filho, e o presidente do conselho diretor do Instituto do Câncer, Roberto Amparo Pestana Câmara, precisariam apenas vencer
uma distância de escassos 37 passos.
Mas a atmosfera entre ambos
está de tal modo turva que parece
não haver ambiente para o diálogo. Comunicam-se só por escrito.
E por meio dos respectivos advogados.
Há pelo menos cinco centenas
de razões para que os dois marquem um encontro. O Instituto
do Câncer atende diariamente
uma média de 500 doentes; 85%
seriam pessoas pobres, bancadas
pelo SUS.
Pobres como Laerte Peixe, 47.
Sem dinheiro e sem poder trabalhar, ele está às voltas com um tumor na mandíbula que lhe consome a pele da face e "um restinho
de esperança".
Na última quinta-feira, deitado
num dos 65 leitos do Instituto do
Câncer, Peixe se preparava para
sua terceira cirurgia. Ele tenta reaver, com enxertos de pele retirados de outras partes do corpo, o
rosto que o câncer lhe tomou.
"Acho muito errado", disse, a
respeito do litígio que sacode as
relações da Santa Casa com o Instituto do Câncer.
"O Instituto terá de se instalar
em outro lugar", diz Kalil Rocha
Abdala, advogado da Santa Casa.
E quanto aos pacientes? "Podemos receber uma parte deles."
Fausto Farah Baracat, diretor
clínico do Instituto do Câncer há
14 anos, revolta-se: "Somos tocados a números, registros e idiossincrasias pessoais. Não há mais
humanidade nas pessoas. É óbvio
que não temos para onde ir. E não
se muda um hospital de 70 anos
assim, do dia para a noite".
O relacionamento entre as duas
instituições azedou depois que o
Instituto do Câncer resolveu fazer, no início do ano, uma obra
para ampliar sua cozinha e sua lavanderia e para acomodar mais
20 leitos.
A administração da Santa Casa
obteve da Justiça, em fevereiro,
uma liminar (decisão provisória)
embargando a obra. Disse que o
Instituto do Câncer precisaria ter
solicitado, por escrito, autorização para realizar a reforma. Anexou documentos que demonstram que, no passado, o instituto
chegou a submeter à Santa Casa
até solicitação para instalar uma
reles torneira.
Alegou-se, de resto, que o tapume da obra dificultava: 1) o acesso
de pacientes ao hemocentro da
Santa Casa; 2) o trânsito de cadeiras de rodas; 3) a manutenção dos
geradores do hospital.
O Instituto do Câncer diz em
sua defesa que já mudou a posição do tapume. E, mais importante: informa que a reforma foi, sim,
comunicada à Santa Casa. Houve
inclusive uma reunião em que os
engenheiros da instituição aprovaram as plantas da reforma.
Por trás da divergência está, na
verdade, a disputa pelo naco de
terreno (2.646 m2) sobre o qual foi
erguido o prédio do Instituto do
Câncer. A área foi cedida pela
Santa Casa, em 1924. Construído
com doações, o instituto foi inaugurado em 1929.
O dinheiro que financiaria as
obras de ampliação do Instituto
do Câncer (R$ 1,7 milhão) está parado. Trata-se de dinheiro público, do Ministério da Saúde. O repasse foi feito por intermédio do
governo de São Paulo.
O curioso é que a verba foi liberada pelo secretário estadual José
da Silva Guedes (Saúde), um médico que possui vinculação histórica com a Santa Casa.
Alheios à contenda que se trava
na cúpula, os funcionários das
duas instituições mantêm uma
rotina de colaboração mútua.
Maria José da Silva, chefe da enfermagem do Instituto do Câncer,
mantém uma política de boa vizinhança com Maria Antônia, sua
colega da Santa Casa.
Um exemplo: graças à objetividade das duas Marias, os filtros
dos aparelhos de hemodiálise do
Instituto do Câncer são higienizados nos esterilizadores da Santa
Casa.
A roupa de cama do Instituto do
Câncer é lavada na lavanderia da
Santa Casa, ao custo de R$ 1,00
por quilo.
A anestesista Sandra Cordeiro
tem dupla militância: no Instituto
do Câncer, integra o grupo de dor,
composto para tentar aliviar o sofrimento dos pacientes; na Santa
Casa, trabalha na equipe de anestesistas.
O médico José Rodrigues Pereira, oncopneumologista, conta
que a colaboração entre as equipes médicas das duas instituições
também é tradicional. "É comum
eles enviarem pacientes de câncer
para cá e nós mandarmos outros
tipos de doentes para lá."
Rodrigues Pereira não consegue
entender a lógica da disputa que,
no momento, opõe o instituto à
Santa Casa. Acha incrível que
duas instituições com tantos serviços prestados à sociedade tenham que recorrer aos tribunais
para resolver suas diferenças.
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