São Paulo, segunda-feira, 01 de setembro de 2008

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MOACYR SCLIAR

A mulher real, a mulher virtual


Você está feliz, como nunca esteve antes; você abençoa esta tecnologia que lhe permite viver um verdadeiro romance

Local ideal para encontrar um parceiro após os 45 anos é a internet, informa estudo publicado na revista britânica "New Scientist". Folha Online

Mulher tenta seqüestrar namorado virtual nos EUA. Autoridades americanas detiveram uma mulher que tentou seqüestrar um homem com o qual manteve um romance pela internet. Kimberly Jernigan, 33, moradora da Carolina do Norte, não se conformou com o fim do romance virtual que manteve com um homem de 52 anos, que usava o nome "Lion", residente em Claymont, Delaware. Os dois entraram em contato por meio do Second Life, comunidade on-line. No entanto, quando ele a conheceu pessoalmente, meses depois, decidiu pôr fim ao relacionamento, o que fez com que a mulher se desesperasse, segundo a polícia. No início de agosto, Kimberly Jernigan foi até o local de trabalho de "Lion" e armada com um revólver, tentou seqüestrá-lo. Folha Online

"CARO LION: não, por favor, não delete este e-mail.
Não o delete, Lion. Leia-o até o fim, é a única coisa que lhe peço. Leia-o, e depois decida o que fazer. Mas leia-o. Não o delete. Eu sei que você está furioso comigo, Lion. No seu lugar eu também estaria furiosa. Você inicia um relacionamento pela internet, que, segundo a prestigiosa revista "New Scientist", é, após os 45 anos, a forma ideal para encontrar um parceiro ou parceira. Você de fato encontra uma parceira. Você troca tórridos e-mails com ela. Você está feliz, feliz como nunca esteve em sua vida. Você abençoa esta tecnologia que lhe permite viver um verdadeiro romance virtual. E você não faz a mínima questão de conhecer essa parceira.
Você prefere os delírios da imaginação amorosa à realidade que, como você mesmo disse em uma mensagem, freqüentemente revela-se decepcionante. Não foram poucas as frustrações que você teve com mulheres agressivas, autoritárias, arrogantes. Muito diferentes daquela com a qual você trocava e-mails.
E de repente esta mulher sai da cidade dela e vem procurar você. É uma terrível decepção. Trata-se de uma pessoa completamente diferente daquela criada por sua imaginação. Uma mulher, como aquelas que você odeia, agressiva, arrogante, autoritária. De imediato você dá o caso por encerrado. E aí, num ato desesperado, ela, armada com uma pistola, tenta seqüestrar você. Você -coisa que poucos meses antes lhe pareceria inimaginável- é obrigado a fazer queixa à polícia.
É por isso que lhe escrevo, Lion.
Escrevo porque estou surpresa e horrorizada com o que aconteceu, com o que eu fiz. Mandando e-mails eu era uma, Lion; procurando você eu me tornei outra. Uma história tipo "O médico e o monstro". Não lhe procurarei mais, Lion, mas preciso que você me ajude a responder à pergunta que me tortura: quem sou eu, Lion? Sou a gentil e apaixonada autora dos e-mails ou sou a violenta mulher de revólver na mão? A mulher virtual é a mulher real, ou a mulher real na verdade é virtual?
Precisamos conversar sobre isso, Lion.
Caso contrário voltarei aí, Lion. Voltarei, Lion. Voltarei armada e disposta a tudo. E olhe que, assim como escrevo belos e-mails, assim como sei mirar o coração dos meus correspondentes, sei mirar muito bem os alvos com minha arma."


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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