São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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SP quer apuração em museu, diz secretário

João Batista de Andrade, da Cultura, afirma que recomendações da Promotoria, que investiga caixa dois, serão cumpridas

Cineasta defende as Organizações Sociais, que, segundo ele, deram mais agilidade à ação do Estado e estão dentro da legalidade

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Cineasta convertido em secretário de Cultura do governo paulista, João Batista de Andrade não vê irregularidades no MIS (Museu da Imagem e do Som) nem no MCB (Museu da Casa Brasileira), mas afirma não temer investigações: "Ao governo interessa que a verdade seja apurada".
As acusações de que o MIS e o MCB operavam com caixa dois foram feitas por uma funcionária pública ao promotor Sílvio Marques.
Em entrevista à Folha, Andrade, 66, refuta a crítica de que as sociedade de amigos e as Organizações Sociais (OSs) sejam uma "privatização envergonhada". OS é a figura jurídica criada para administrar entidades culturais no Estado de São Paulo, que tem como principal vantagem a agilidade de empresa privada, seja para fazer compras ou contratar pessoal.
"Não é privatização porque você usa a OS para realizar uma política cultural formulada na secretaria", diz. Na última quinta-feira, antes de ir ao Rio para ver uma versão restaurada do filme "O Homem que Virou Suco", Andrade falou à Folha acompanhado do advogado Carlos Dêgelo, um executivo da secretaria. Eis os principais trechos da entrevista:  

FOLHA - O Ministério Público diz que o MIS e o Museu da Casa Brasileira e as respectivas sociedades de amigos operam à margem da lei e usam caixa dois. É verdade?
JOÃO BATISTA DE ANDRADE
- É preciso colocar o verbo na forma correta: o Ministério Público disse que as associações operavam de forma ilegal. Isso não acontece mais.

FOLHA - A Promotoria diz que as sociedades alugavam esses museus e depositavam os recursos numa conta privada. Isso não seria ilegal?
ANDRADE
- Não, o dinheiro tem de ser depositado num fundo da secretaria para poder ser utilizado. O que o Ministério Público diz é que nem tudo era repassado [para o fundo]. Se há irregularidades, o Ministério Público vai investigar e ao governo interessa que a verdade seja apurada. A secretaria abriu um inquérito em janeiro deste ano quando soube das denúncias. Mas a investigação do Ministério Público é tremendamente mais poderosa. Queremos que haja apuração, que vá até o fim, que todas as recomendações feitas pelo Ministério Público sejam cumpridas.

FOLHA - O inquérito não foi concluído em nove meses?
ANDRADE
- A pessoa que fez as acusações foi chamada duas vezes para formalizar as denúncias e não apareceu. CARLOS DÊGELO - A secretaria não tem poder de polícia. Ela pode fazer uma apuração preliminar, que deve começar com o relato do denunciante. Nós estamos juntando elementos e depois vamos mandar a apuração para a Procuradoria do Estado. Se houver indícios de irregularidade, a apuração vai para a Comissão Processante Permanente, que é sempre presidida por um procurador do Estado. Este, sim, poderá enviar a documentação ao Ministério Público e, se for o caso, para uma apuração criminal.

FOLHA - Há uma crítica que diz que o governo fez uma "privatização envergonhada" na área cultural por meio das sociedade de amigos e depois com as Organizações Sociais. O que o sr. acha dessa avaliação?
ANDRADE
- A sociedade pode, e deve, discutir a Organização Social. O que acontece é que a OS virou lei e houve uma discussão dentro dos limites da democracia. Isso significa que a Organização Social está dentro da legalidade. Não é privatização porque você usa a OS para realizar uma política cultural formulada na secretaria. Também não há privatização do patrimônio. Se há uma doação para a Pinacoteca, a doação fica para o Estado. Se a OS for descredenciada, o patrimônio fica para a Pinacoteca.

FOLHA - As OSs são submetidas ao Tribunal de Contas?
DÊGELO
- Elas têm um controle de metas aqui na secretaria. A análise aritmética e moral da prestação de contas fica disponível para o Tribunal de Contas e para a Assembléia Legislativa.

FOLHA - Quais são os pontos positivos e negativos das OSs?
ANDRADE
- A OS agilizou bastante a ação do Estado nessas instituições. Teve um museu de Piracicaba que quebrou o telhado e eu passei vergonha porque durante dois meses eu não conseguia liberar dinheiro para consertá-lo. Eu queria agilizar, mas a burocracia impedia. A OS conserta isso no dia seguinte. Outra vantagem é que a OS funciona como empresa: contrata, distrata, demite rapidamente.

FOLHA - Não há nada de negativo nas OSs?
ANDRADE
- Negativo não, o que eu descobri é que muitas OSs tinham uma falsa impressão de que tinham se desligado da secretaria. Cada uma queria ter a sua política cultural, quando existe uma política cultural do Estado. Decidi que quem não seguisse essa política poderia perder o repasse de verbas e ser descredenciado. Não tive mais problemas. A OS é um desafio para qualquer secretário.

FOLHA - A Secretaria de Cultura tem hoje 314 servidores, quando precisaria, numa estimativa conservadora, de 1.500. Essa diferença, de cerca de 1.200 funcionários, é contratada por OSs. Por que o Estado não quer ter servidores próprios na área cultural?
ANDRADE
- É um problema nacional. Os Estados deixaram de fazer concursos públicos, a União deixou de fazer. No Estado de São Paulo, foi criado primeiro o Baneser, que pagava as pessoas e foi extinto pelo governo Mário Covas, e depois a figura do credenciado. O credenciado é a pessoa contratada por um tempo determinado, sem garantia nenhuma.

FOLHA - O sr. é a favor desse tipo de política neoliberal?
ANDRADE
- Eu não sou neoliberal. A questão aqui não é ser neoliberal ou não-neoliberal. A discussão aqui é discutir qual é a melhor forma de gestão. Tem um velho líder da minha formação ideológica, o Marx, que diz o seguinte: a humanidade não se coloca problemas que ela não possa resolver. O que está colocado para todo secretário de Cultura desde o final do Baneser é uma questão só: não tem concurso público e ele tem que encontrar uma maneira de fazer a gestão. A questão das OSs não foi feita para poder resolver esse problema. Vou fazer uma constatação: ou o modelo de gestão do Estado brasileiro se renova ou ele é inviável para administrar os bens culturais. A Organização Social surgiu como modelo novo de gestão. Não é privatização da cultura, não é Estado mínimo.

FOLHA - A secretaria tem 271 funcionários que não passaram por concurso e já teve mais de 3.000. Não dá para acabar com esse tipo de ilegalidade?
ANDRADE
- Não é ilegal. Desde que foi feito o Termo de Ajuste e Conduta com o Ministério Público do Estado e do Trabalho, que venceu em dezembro do ano passado, ele foi sempre legal. A Justiça reconsiderou o prazo. Em abril eu assinei o novo Termo de Ajuste e Conduta. O que consta desse termo? Que a gente resolveria o problema desses quase 3.000 funcionários. Uma das formas de resolver eram as OSs. O que não dava para resolver com a OS, como o Arquivo do Estado, pelo seu interesse estratégico, e o Condephaat, vamos resolver por meio de concurso público. Atualmente, há 180 funcionários sem concurso.
DÊGELO - O último concurso público que houve na secretaria foi em 1985. O secretário conseguiu outro no início do ano para 87 cargos.
ANDRADE - Para os outros funcionários, eu também propus um projeto de lei criando 180 cargos. O que eu preciso é que a Assembléia aprove a criação de cargos porque como não tem concurso há muito tempo, a secretaria perdeu cargos.

FOLHA - Por que a Osesp tem um orçamento que é seis vezes maior do que todos os museus da cidade de São Paulo?
ANDRADE
- Os orçamentos dos museus não são pequenos. Quando surgiu a crise do Masp, todas as matérias diziam que os museus do Estado de São paulo não têm crise. O que acontece com todo museu é que você repassa dinheiro suficiente para ele tocar basicamente, e os projetos elaborados são feitos via incentivo fiscal. Isso acontece no Brasil inteiro. Com isso, os museus estão muito bem. O Museu da Casa Brasileira estava muitíssimo bem, o Museu da Imagem e do Som estava se recuperando, a Pinacoteca, todo mundo reconhece, está uma maravilha. O Memorial do Imigrante, que estava praticamente abandonado, está em processo de crescimento, com reconhecimento internacional. O Museu da Língua Portuguesa é um sucesso tremendo. O caso da Osesp é que, se você quer ter uma orquestra sinfônica de padrão internacional, tem de trazer gente de fora, e isso é caro. É uma opção governamental.

FOLHA - O sr. é a favor dessa opção?
ANDRADE
- Sou a favor de ter um orquestra. É muito importante o país ter um nível de excelência na área da música. Agora, como tudo, está aberta a polêmica, sem problema. Todas as avaliações públicas da Osesp são positivas. Em política cultural, você tem que saber que investir R$ 500 mil num programa de hip hop tem um significado e investir R$ 40 milhões na Osesp tem outro.

FOLHA - Ao investir R$ 40 milhões numa orquestra sinfônica, o governo não fez uma opção preferencial pelos mais ricos?
ANDRADE
- Não. Há um esforço grande de popularizar a Osesp. Eu mesmo exigi que voltasse o programa de domingo, que é gratuito. Faz parte do contrato de gestão com a Fundação Osesp que a orquestra tem de fazer um plano de popularização. Em cultura, você não pode dizer que "Ulisses", do Joyce, foi lido por meia dúzia de pessoas e por isso não tem importância. Não é assim que se julga. Você gasta R$ 40 milhões na Osesp, mas você gasta mais R$ 40 milhões no Projeto Guri, para ensinar criança de periferia a ler partitura e tocar instrumento. Investi dinheiro num projeto novo, que se chama Projeto Bem-Te-Vi, que é para ensinar criança de periferia a fazer filme, desenho animado.


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