São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

Feliz Regina


Ao completar 79 anos, ela se propôs a escrever um livro sobre relacionamentos; em vez de prosa, saíram versos

QUEM VISSE aquela senhora de 80 anos declamando, olhar malicioso, versos sensuais, num teatro lotado de jovens, não imaginaria sua história de vida. Nos últimos 50 anos, a auditora fiscal Claire Feliz Regina trabalha na Receita Federal, onde se especializou em imposto de pessoa física. Não pensava em se aposentar até o ano passado, quando, por acaso, descobriu uma nova paixão. "Minha vida será agora dedicada à poesia."
Ao completar 79 anos, ela se propôs a escrever um livro com dicas sobre como melhorar o relacionamento familiar e amoroso. Mas, em vez de prosa, saíram versos -e, com eles, vieram a vontade da aposentadoria, para iniciar uma experiência.

 

Como nasceu numa família pobre, Claire teve de trabalhar desde menina em Campo Grande (MS), vendendo mercadorias de porta em porta. Mudou-se para São Paulo e, em 1958, entrou como escriturária na Receita Federal. Aos 37 anos, começou a estudar economia, aos 50 foi promovida a auditora fiscal e se especializou em Imposto de Renda de pessoa física, convidada a dar aulas e palestras. Sua trajetória seguia a previsibilidade burocrática, como se seguisse um formulário.
Teve medo de romper a rotina -e desse medo nasceu sua primeira e, por muito tempo, única poesia. Depois de ficar viúva, Claire recebeu insistentes galanteios noturnos de um homem mais novo. "Não soube lidar com a diferença de idade." Para acabar com a aquela relação que lhe parecia impossível, escreveu uma poesia.
Somente no ano passado, depois de mais de 20 anos daquele rompimento, Claire voltou a escrever -talvez rememorando os galanteios perdidos, um toque de erotismo insinuou-se em seus textos.
 

Esse prazer literário era quase clandestino até a semana passada. Se já era um aprendizado para Claire declamar em público -tinha até vergonha que lessem suas anotações-, foi obrigada a enfrentar um teatro lotado de jovens. E, ainda por cima, convidada a declamar seus versos sensuais.
Foi uma aparição inesperada.
Claire assistia a um recital da atriz Elisa Lucinda, com quem tem aulas de declamação, num teatro em São Paulo. A atriz chamou-a para o palco. Claire estava visivelmente constrangida, insegura -até porque havia algumas crianças na platéia, que deveriam vê-la como uma avó.
Pediu, então, que as crianças tapassem os ouvidos. A feição da avó ganhou sobras de malícia e olhares irônicos misturados a seus versos.
Saboreou a imagem da platéia que aplaudia de pé. "A essência do bem viver é procurar sempre fazer as coisas com prazer."
 

Comemora-se hoje o Dia da Terceira Idade o que, para ela, não significa lamentações e reclamações de dores, mas novos projetos. Daqui a dois meses, sairá o seu primeiro livro, intitulado "Meu Jeito de Falar".
 

PS - Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) Claire Feliz Regina declamando algumas de suas poesias.

gdimen@uol.com.br


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