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ENTREVISTA
WINSTON ABASCAL
Fumódromo é um engodo promovido pela indústria
Diretor de programa que proibiu o fumo em locais fechados no Uruguai cobra medida semelhante no Brasil
PRIMEIRO PAÍS da América Latina a adotar a
proibição total ao fumo em lugares fechados, há quase três anos, o Uruguai comemora hoje o recuo da prevalência de tabagismo
entre adolescentes, a diminuição da contaminação do
ar em bares e restaurantes e a queda do número de
pessoas vítimas de infarto agudo nos hospitais.
DENISE MENCHEN
DA SUCURSAL DO RIO
Em entrevista à Folha, o diretor do Programa Nacional de
Controle do Tabaco do Ministério de Saúde Pública do Uruguai, Winston Abascal, contou
como foi o processo de transição para uma legislação mais
restritiva e cobrou do Brasil
medidas semelhantes. "O Brasil é como uma locomotiva, e
nós somos os vagões. Precisamos que a locomotiva vá pela
via correta", disse.
FOLHA - Como era a situação no
Uruguai antes da lei que proibiu o
fumo em ambientes fechados?
WINSTON ABASCAL - Até então, tínhamos áreas reservadas para
fumantes, mas na prática se fumava em qualquer local, porque isso não era cumprido.
No ano 2000, a prevalência
de consumo do tabaco era muito alta, chegando perto de 40%,
com um alto consumo entre
adolescentes. Nesse momento,
algumas instituições do Estado
e da sociedade civil decidiram
coordenar esforços e unificar o
discurso para enfrentar a epidemia de tabaco.
Trabalhamos com a opinião
pública e fizemos oficinas com
jornalistas para que entendessem a magnitude do problema
e, portanto, a magnitude das
medidas necessárias. Foi assim
que, em setembro de 2004, o
Uruguai ratificou a convenção-quadro da OMS.
A partir daí, no ano de 2005,
criou-se o Programa Nacional
de Controle de Tabaco, como
ponto focal para reunir e unificar essas atividades. A proibição ao fumo [em ambientes fechados] entrou em vigência em
março de 2006, mas a luta pelo
controle do tabagismo começou anos antes.
FOLHA - Como é a legislação atual
sobre o tema?
ABASCAL - Há 100% de proibição ao fumo em espaços fechados. Nos estabelecimentos de
ensino e de saúde, o fumo é
proibido até mesmo nos ambientes abertos, porque essas
pessoas servem de modelo para
a sociedade.
Além disso, temos proibição
à publicidade em todos os
meios, salvo no interior dos
pontos de venda, e à venda de
produtos de tabaco nos caixas
de supermercado. Também é
proibido vender cigarro em
parques de diversão, espetáculos esportivos, cyber cafés...
A legislação também obriga
que cada marca de cigarro tenha uma única apresentação e
proíbe também os termos light,
suave e ultra-light, porque essas denominações são enganosas, já que todos os cigarros
produzem o mesmo dano.
FOLHA - Quais os resultados obtidos com a lei? Houve queda no consumo do tabaco?
ABASCAL - Uma pesquisa extra-oficial feita com pequenos distribuidores chegou à conclusão
de que o consumo diminuiu
30%. Outras indicam queda de
20% a 30%. Por que isso? Porque se a pessoa dorme oito horas, trabalha outras oito horas e
depois sai para um restaurante
ou um bar, ela fica muito tempo
sem fumar. Logo, mesmo que
sigam fumando, elas não podem fumar 20 cigarros em duas
horas antes de dormir.
A medida também fez com
que se multiplicasse por 50 a
quantidade de programas voltados para quem quer largar o
vício. Também estamos fazendo um estudo sobre ingresso
nos hospitais por infarto agudo
do miocárdio, comparando os
dados de três anos antes da medida com os atuais. Os resultados preliminares mostram que
há uma queda significativa. E a
prevalência do tabagismo na
população de 12 a 17 anos caiu
muito. Em 2003, 30% deles fumavam. Em 2007, eram 22%.
FOLHA - E por que a decisão de abolir totalmente o fumo em lugares fechados, em vez de exigir uma área
reservada para fumantes?
ABASCAL
- Porque isso é um
enorme engodo promovido pela indústria, que diz que seria
menos traumático. Quando se
tem fumódromos, fica muito
difícil fazer a transição para
ambientes 100% livres de tabaco, porque muitos não-fumantes pensam que o cigarro já não
os molesta. E nenhum Ministério da Saúde que conhece os danos causados pelo cigarro pode
permitir que a pessoa vá para
um lugar onde estará se tornando enferma, não só pelo cigarro que fuma como também
pelo ar contaminado pelo cigarro dos outros. E nenhum
Ministério do Trabalho deveria
concordar com a exposição de
trabalhadores a um lugar altamente contaminado como esse. Há leis para proteger contra
o chumbo, contra o cromo, contra a radiação, mas nenhuma
contra esse contaminante tão
freqüente.
FOLHA - Imagino que também no
Uruguai tenha havido muita resistência donos de restaurantes e bares a medidas restritivas ao fumo.
Como ela foi vencida?
ABASCAL - Muito tempo antes
de a medida entrar em vigor,
começamos a fazer reuniões
periódicas com os comerciantes. Apresentamos estudos da
Califórnia que mostravam que
não havia perdas econômicas
com a implantação das medidas e conversamos muito. Ainda assim eles estavam desconfiados. Mas um estudo econômico feito após a adoção da lei
demonstrou que não houve
perdas por causa da proibição.
FOLHA - Como é feita a fiscalização
e a punição para aqueles que descumprem a lei?
ABASCAL - Não há lei desse tipo
que não necessite de inspeção,
supervisão e sanções. Mas a
proibição é para o estabelecimento, não para o fumante, que
é um enfermo. É o dono do restaurante ou do bar que tem a
obrigação de manter as condições sanitárias do local. Os comerciantes entenderam isso. E
nós desenvolvemos uma série
de medidas que protegiam o comércio. Os primeiros inspetores eram tabeliães, porque queríamos garantias de que seriam
pessoas com fé pública. Também fizemos um acordo escrito
com os comerciantes. Hoje a
fiscalização é feita por inspetores do ministério e do município. A multa varia de US$ 900 a
US$ 9.000. Os inspetores fazem um ato de infração, que é
analisado por uma comissão.
FOLHA - Como o senhor vê a posição brasileira em relação ao tema?
ABASCAL - O Brasil teve um protagonismo muito importante
na redação e na realização da
convenção-quadro das Nações
Unidas. Agora, a região [América Latina] necessita que o Brasil retome essa liderança. Porque o Brasil é como uma locomotiva, e nós somos os vagões.
Precisamos que a locomotiva
vá pela via correta. O Brasil pode se tornar uma grande liderança na área de saúde pública
do mundo, mas tem que cumprir com as coisas aqui dentro.
FOLHA - Como o senhor vê a iniciativa de São Paulo de proibir o fumo
nos locais fechados?
ABASCAL - Pode ser uma estratégia. Se não se pode avançar
em todo território, pelo menos
se vai avançando em alguns Estados. E aí os outros podem ver
que a medida funciona, que
ninguém perde dinheiro, que o
comércio funciona normalmente, que o povo fica melhor,
e imitam.
"Há 100%
de proibição ao
fumo em espaços
fechados. Nos
estabeleciment
os de ensino e de
saúde, o fumo é
proibido até
mesmo nos
ambientes
abertos"
"Quando se
tem
fumódromos,
fica muito difícil
fazer a transição
para ambientes
100% livres de
tabaco, muitos
não-fumantes
pensam que o
cigarro já não os
molesta"
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