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Moradores de rua invadem casarão centenário em SP
Eles dividem o espaço de imóvel com 400 metros quadrados na rua Marquês de Paranaguá, na região central da cidade
Casarão, construído em 1925, foi tombado pelo patrimônio histórico municipal e está ocupado por mais de 20 pessoas
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
DANILO VERPA
REPÓRTER FOTOGRÁFICO
No que depender da moradora de rua Amanda Teles Virgilata, 24, sua filha de um ano e
quatro meses, Vitória, vai ser
miniapresentadora de TV. "Sabe essas menininhas que aparecem nos programas pra
crianças? Quero muito que ela
faça algo assim", diz Amanda,
grávida de seis meses.
Moradora de rua, não. Amanda agora habita um casarão de
1925, tombado pelo patrimônio
histórico municipal (Conpresp), com 400 m2, na rua
Marquês de Paranaguá, Consolação (zona central). Ela e cerca
de 25 pessoas. O metro quadrado na região vale R$ 2.500, segundo a empresa de engenharia Amaral D'Ávila.
Por dentro, a construção de
pé direito alto foi repartida em
mais de dez cômodos. Como
divisórias, há compensados de
madeira ("paredes") e cobertores pendurados ("portas"). A
não ser pela claridade que entra pelos janelões, há poucas
lâmpadas -a eletricidade foi
puxada da rua por "gatos".
Muita história
Quem recebe, à porta do casarão, é Thais Michelle, ex-auxiliar de limpeza, e Lilian Alexandra, que pede dinheiro na
rua: "Isso aqui tem é história",
dizem as duas, rindo. Thaís, Lilian e Amanda brigam pelo catador de latas William Jesus
Faria, 25, que se desdobra entre
as três, e a quem elas atribuem
a paternidade de seus respectivos filhos. Ele divide um "quarto" com Leo Barbosa, 26, e
Márcio Santos, 25, ambos desempregados.
A maior parte dos atuais moradores -o rodízio é grande-
viviam na praça Roosevelt
(centro), foi trazida pelo "finado Vitor", viciado em crack, casado com Juliana de Souza, que
tem um filho dele e já trabalhou
como operadora de telemarketing, mas foi demitida porque
respondia com palavrões aos
assédios dos interlocutores:
"Você precisava ver as besteiras
que os homens diziam pra gente no telefone. Eu xingava mesmo", diz.
Presente dos noia
No quarto de Thaís e Lilian,
de cerca de 12 m2, Amanda conta que ganhou o carrinho de bebê de Vitória de um "noia" que
morava embaixo do Minhocão.
"Quando você tá no vício, ganha uma porção de presente.
Mas graças a Deus abandonei a
droga." Ela diz que sua mãe é
cabeleireira na Espanha e que
não foi junto porque considera
a família "muito gananciosa".
Ali ao lado, no quarto de William, há três colchões com cobertas reviradas, um móvel improvisado com tábuas, decorado com garrafas de vodca vazias; um quadro colorido de
Cosme e Damião, muita roupa
espalhada: o rádio toca um pagode. Eles riem quando se pergunta quem é o pai das crianças
que engatinham pela casa. "É
dele aí", diz Márcio, na direção
de William. "Meu nada."
Desapegados
Embora o clima na casa seja
parecido com o de um cortiço,
os moradores, mesmo as que
engravidam, sabem pouco mais
que os nomes uns dos outros -
e se mostram desapegados como todos os nômades. "Estou
aqui há quatro anos e seis meses, já vi muita coisa acontecer,
de vez em quando baixa a polícia, mas a gente vai ficando",
conta Juliana.
Os vizinhos não ajudam? "Só
se for chamando o caminhão
pra levar a gente embora", diz.
Sônia Alberane, gerente do
hotel que fica ao lado do imóvel,
diz que dá sacos para que eles
empacotem o lixo e chegou a
doar colchões que não ia mais
usar. "Já chamei a vigilância sanitária várias vezes para dedetizar contra dengue, ratos e baratas", diz ela.
As moças da casa dão sua versão: "Ela não doou os colchões.
Ela jogou fora. Nós fomos lá e
pegamos."
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