São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Peça da novela" vira grife para sacoleiras do Brás

Após parceria com a Rede Globo, comerciantes fabricam modelos usados na TV e os revendem em seus estabelecimentos

Etiqueta amarelo-fosforescente sinaliza modelos nas araras das lojas do bairro

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Brilha uma nova luz entre os incríveis modelos com paetês pendurados nas araras do Brás, zona leste de São Paulo, ali onde milhares de sacoleiros de todo o Brasil se esbaldam diariamente. Agora, uma etiqueta amarelo-fosforescente sinaliza as roupas que um grupo de atacadistas locais batizou de "peça da novela".
A regata branca de viscolycra com pastilhas prateadas que Beatriz (Priscila Fantin) usa em "Sete Pecados" era vendida (antes de esgotar) por R$ 52,90. Uma boina de tricô de Maria Paula (Marjorie Estiano) saía por R$ 59, em junho, "já por conta da estréia da novela ("Duas Caras') em outubro".
"As clientes ligavam pra gente perguntando: "Quando é que a boina vai aparecer na TV?", conta a gerente do Empório EM, Fernanda Fernandes.
Eventualmente, também é possível encontrar a roupa das personagens no Bom Retiro ou no Itaim Bibi: só que no Brás eles alegam que o modelo é fabricado pelos próprios comerciantes de um shopping, o Mega Polo, que fechou uma parceria com a TV Globo. A emissora escolhe parte de seus figurinos ali, e o shopping, que tem 180 lojas e recebe 5.000 visitantes por dia, passa a dispor dos mesmos figurinos para oferecer a seus fiéis sacoleiros. Ou seja, a "peça da novela" não é uma cópia do modelo, é o próprio.
Mas calma. A princípio, só leva quem compra de baciada. Em geral, mais de dez peças. Tudo se esgota rápido.
"Em três anos, nunca vi repetirem um modelo aqui na loja. Essa camiseta que a Fantin usou a gente mandou fazer mais e já acabou", diz Daniele Teixeira, gerente da Vida Bela. Traduzindo em números, a loja vendeu mais de mil camisetas em três dias.

Nova categoria de roupa
A idéia de vender roupas que as atrizes usam na TV parece óbvia, especialmente em um país onde a teledramaturgia bate recordes de audiência.
O que faz a diferença agora é o surgimento de uma nova categoria de roupa, a "peça da novela", tão declarada quanto o "vestido de noite", a "moda praia" ou a "esportiva".
Ao sinalizar com todas as letras em suas araras essa nova categoria, o shopping otimiza um dado revelado pela própria Globo. Em sua CAT (Central de Atendimento ao Telespectador), criada justamente para informar onde é possível encontrar determinado vestido, abajur ou mesa de centro, a emissora recebe cerca de 10 mil telefonemas por dia. De acordo com sua assessoria de imprensa, dos cinco itens mais requisitados em outubro, quatro são roupas usadas pelo personagem de Priscila Fantin.
Ok. Mas se a televisão é uma vitrine tão poderosa, que vantagem ela leva no acordo com um shopping popular do Brás?
Segundo a assessoria, a parceria com o Mega Polo é apenas mais um recurso para facilitar o trabalho dos figurinistas: agiliza os contatos, centraliza as possibilidades de escolha e, já que é um shopping popular, barateia os custos. Além disso, quando o shopping promove as roupas, indiretamente divulga as novelas da Globo.
Mas a emissora continua a lidar com marcas conhecidas, como Forum, Osklen, Reinaldo Lourenço ou Andrea Saletto.


Roupa de rico?
O uso de grifes famosas (ou marcas populares) não está necessariamente associado à classe social da personagem que a veste. Por exemplo: para alguns figurinistas, um modelo de Stella McCartney, a bombada estilista inglesa filha de Paul McCartney, pode compor o look da "biscatinha" da novela. E a roupa dos atacadistas do Brás, que normalmente atendem as classes C e D, vestir uma madame do "núcleo rico".
"O importante é o que a gente chama em TV de "dar vídeo". Ou seja, produzir o impacto que se deseja na tela", explica a figurinista Emília Duncan, de "Duas Caras" ("Amazônia", "JK").
Lucia Daddario, figurinista de "Sete Pecados", ressalva que "é fundamental ter bom senso". "Nosso trabalho com as lojas é uma via de mão dupla. Você tem de pensar que a marca importada ou a grife cara que empresta a roupa não quer se ver associada ao personagem de bandido, ou ao de mulher cafona. A gente pode se queimar."
Daddario lembra ainda que "uma coisa é a roupa no manequim, ou na mão, outra, no personagem". "Às vezes a bunda da atriz é grande, o peito, pequeno, tem de ver proporção, porque senão o vestido caríssimo aparece desvalorizado", diz.

"Arrasei!"
Pelo mesmo raciocínio, a "peça da novela" usada por uma telespectadora, sem iluminação ou cenário de TV, pode não surtir o efeito esperado. Ela até sabe disso, mas a fantasia de estar na roupa de Cláudia Raia, por exemplo, supera qualquer necessidade de ajuste. "Ela é chiquérrima, elegantérrima, arrasei", diz a empresária Graça Albuquerque, 42, que comprou em Manaus um vestido azulão igual ao de Agatha/ Raia.
"A gente veste um pouco o personagem que admira na TV", acredita a contato publicitário Ana Flávia Moura, 30, de Sorocaba, feliz proprietária de uma regata de viscolycra como a de Beatriz/Fantin.
A roupa da personagem/atriz torna-se tão famosa quanto a própria. Segundo Ana Karla Ribeiro, 25, que adquiriu em Campina Grande, na Paraíba, um modelo trapézio preto, com paetês (também usado por Fantin/ Beatriz), "as pessoas reconhecem o vestido em todo lugar que eu vou".

Sem criar, nem copiar
No momento, Emília Duncan estuda o "universo do fetiche" para compor Alzira, personagem de Flávia Alessandra em "Duas Caras", uma enfermeira que faz striptease à noite. "O texto às vezes exige uma roupa que eu não encontro no mercado. Então, se eu preciso de um vestido vermelho hiperdecotado, vou ter de desenhar."
Os atacadistas do shopping evidentemente se dispõem a realizar qualquer idéia de um figurinista da Globo. Assim, não precisam criar nada, nem copiar: apenas fazer mais do mesmo. E, na hora de vender, colocar lá a etiqueta mágica que distingue a "peça da novela".
As sacoleiras Suzete, Maureli e Marta, que aguardam no Brás o ônibus para voltar para Ribeirão Preto, contam que a margem de lucro sobe, quando a peça é "da novela". "É como um vestido exclusivo, dá para pegar um precinho bem melhor", dizem as três (elas cobram no mínimo o dobro).
A exclusividade da roupa que está na TV e pode ser vista por milhões de pessoas é levada a sério. Suzete e suas amigas explicam que, assim como a Daslu, sua loja no interior não pode ter "peça da novela" repetida:
"Se duas mulheres se encontram com roupas iguais numa festa, matam a gente", dizem.
Nas lojas do shopping, a etiqueta amarela pendurada em um cabide faz lembrar o palito premiado em uma promoção de picolés. "A idéia é chamar a atenção mesmo. A partir de agora, ninguém precisa ficar avisando à cliente que a peça está na novela", diz Alê Duathe, do marketing do shopping.
Demorô.


Texto Anterior: Rio de Janeiro: Trem que ia à Central do Brasil descarrila e deixa 42 feridos
Próximo Texto: Mortes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.