São Paulo, terça, 1 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE
Cresce número de portadores do HIV namorando pessoas sem vírus; médicos acham tendência saudável, mas preocupante
Aids não impede romance com sem-vírus

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

Na primeira vez, foi difícil convencê-lo a usar camisinha. Na segunda, foi outra batalha. Na terceira, ela criou coragem e contou que tinha Aids. "Ele pegou na minha mão e ficou me olhando, como se me admirasse ainda mais. E assim começou uma paixão que durou dois anos."
O relato é da pedagoga Nair Soares Brito, 38. O caso terminou há um mês porque ela passou a gostar de outro.
Como Nair e o namorado, vem crescendo rapidamente o número de pessoas com HIV ou Aids que estão namorando ou vivendo com pessoas que não têm o vírus.
A tendência é saudável, mas os médicos se preocupam com os descuidos de casais que se apaixonam. Uma pesquisa qualitativa da Secretaria Estadual da Saúde mostrou que algumas duplas deixam a camisinha de lado acreditando que o "amor protege".
A preocupação é tanta que o Programa Estadual de Aids acaba de produzir um vídeo tratando dessas questões e de outros cuidados no relacionamento entre casais onde um deles tem o HIV.
"Uma das grandes dificuldades para quem tem Aids é contar isso ao novo namorado", afirma Julio César Pacca, diretor de prevenção do programa estadual. Situações como essa tendem a se tornar mais frequentes com o coquetel. Só em São Paulo, a combinação de remédios diminuiu a mortalidade em 33% de 96 para 97. As internações caíram 40% no mesmo período.
Na linguagem médica, os casais onde um tem o HIV são chamados de "pares divergentes".
"A tendência é que o namorado se transforme primeiro em médico e enfermeiro, só depois em amante", diz José Araujo, 40, que tem Aids e que recentemente terminou um casamento homossexual de quase quatro anos. Por trás da crise conjugal, não estava a doença, mas a militância de Araujo, que pertence a uma ONG e à Comissão Nacional de Aids.
"Em todos os barzinhos aparecia alguém para falar de Aids. Ele não aguentou." No cotidiano, o companheiro chegava a exagerar nos cuidados, conta Araujo. "Ele cuidava dos meus remédios, não me deixava andar descalço, vigiava todas as minhas atitudes."
Da parte de Araujo, era o medo de infectar o outro. "Quantas vezes deixei de ter prazer por desconfiar que não tinha colocado a camisinha direito."
Medos à parte, Araujo acha a relação entre "pares discordantes" muito rica. "É bom ter alguém que leve os remédios na cama. E se você não estiver se sentindo bem é só um olhar e ele te enche de cuidados."



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.