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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Número de pacientes de ambulatório quase dobra

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1998, quando surgiu, o Ambulatório do Jogo Patológico (Amjo) tratou 44 pessoas. No ano passado, o número de novos usuários saltou para 80.
A curva ascendente coincide com outro "boom": o das casas de bingo. A Lei Zico as instituiu em julho de 1993. Dez meses depois (maio de 1994), inaugurou-se a primeira.
Em 1998, havia 150 no país. Em 2000, 980. Atualmente, já chegam a 1.100. Boa parte, 430, se localiza em São Paulo.
Pode-se associar o que ocorreu no ambulatório da USP com a explosão das casas de apostas? Um estudo realizado pela psiquiatra Silvia Sabóia Martins dá pistas de que sim.
Ela traçou o perfil de 156 pacientes que o Amjo atendeu entre janeiro de 1998 e janeiro de 2002. Eram, na maioria, brancos e católicos. Completaram o segundo grau e pertenciam à classe média.
A psiquiatra concluiu que 78,2% tinham o bingo como jogo de preferência. O videopôquer atraía apenas 8,3% dos compulsivos. Os caça-níqueis, outros 8,3%. O bicho seduzia 3,2%. As cartas, 1,3%. E as corridas de cavalo, 0,6%.
Dos 44 pacientes de 1998, 63,6% manifestavam problemas com "as bolinhas e cartelas". Dos 71 novos frequentadores de 2001, 90% padeciam do mesmo mal. Quer dizer: à medida que a quantidade de casas aumentou, cresceu a proporção de viciados em bingo no ambulatório.
Embora trabalhasse com uma amostra pequena, Silvia a considera eloquente. "É, no mínimo, um sinal de que tais casas não devem permanecer sem controle."
O estudo também aponta de que modo o vício se distribui entre os sexos. Em 1998, 29 homens e 15 mulheres passaram pelo Amjo. Em 2001, a relação se inverteu: 38 mulheres para 33 homens.
De novo, o bingo parece ter influência no fenômeno. "O público feminino o prefere", argumenta a psiquiatra. "As casas do ramo revelam-se menos hostis à mulher do que o jóquei, os botecos, os clubes de carteado e outros locais de jogo."
O levantamento demonstra, ainda, que 48% dos 156 pacientes analisados praticaram atos ilegais para financiar apostas (furtos, falsificações, fraudes contábeis etc). Uma fatia expressiva (14%) tentou o suicídio.

Versão eletrônica
No Ambulatório de Jogo Patológico da Unifesp, o quadro é similar. Pesquisa com 135 compulsivos que se trataram ali entre 1994 e 2001 indica que cerca de 90% frequentavam casas de bingo. Os demais apreciavam cavalos, cartas ou bicho.
No Jogadores Anônimos (JA), a situação se repete. "Seguramente 90% dos nossos afiliados acusam dependência de bingo", informa Marcos, relações-públicas do grupo (ele usa pseudônimo).
A irmandade, de origem norte-americana, possuía aproximadamente cem membros no Brasil em 1998. Agora soma 500.
"A proliferação dos bingos contribuiu muito para que expandíssemos", avalia o relações-públicas. O JA encontra-se hoje em 15 municípios: Porto Alegre, Novo Hamburgo, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, São Caetano do Sul, Santos, Jacareí, Rio, Niterói, Vitória, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Divinópolis e São João Del Rey.
Marcos ressalta que o grosso dos dependentes inicia-se no bingo tradicional (o "cantado") e depois o troca pela versão eletrônica (o videobingo). "É quando de fato desenvolvem a compulsão."
O psiquiatra Hermano Tavares, do Amjo, explica o motivo: "Um jogo revela-se tão mais viciante quanto menor o intervalo entre a aposta e o resultado".
Cada rodada do bingo tradicional dura, em média, cinco minutos. A de videobingo, algo como dez segundos. Calcula-se que 100 mil máquinas do gênero operem no país.
(AA)


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