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GILBERTO DIMENSTEIN
A fome vai ser o marajá de Lula?
Raras vezes um programa
contra a miséria mereceu, no
Brasil, tantas críticas de técnicos
-e com tanta amplitude- como
o plano de combate à fome lançado na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O
programa tem inconsistências,
mas a polêmica, pela dimensão
alcançada, é inédita e revela um
avanço extraordinário na análise
de políticas sociais.
Há falhas visíveis e óbvias, como exigir de analfabetos e semi-analfabetos que colecionem notas
fiscais em regiões em que impera
o mercado informal. Presume-se,
preconceituosamente, que pobre é
incapaz de cuidar de si próprio.
Seriam, então, protegidos por
comissões, centralizadas em Brasília, que analisariam nota por
nota. Nem sequer definiu-se
quem, de fato, precisa ser atendido -já que o governo trabalha
com números irreais de 45 milhões de famintos- e muito menos como será a articulação das
diversas esferas de governo (federal, estaduais e municipais) para
enfrentar a desnutrição.
Se, por uma hipótese absurda,
um inimigo do PT, disfarçado de
aliado, tivesse a chance de elaborar um projeto oficial para desgastar o governo, possivelmente
não teria proposto medidas muito diferentes das que estão no Fome Zero. Conseguiram, mesmo
em áreas do Partido dos Trabalhadores, lançar a suspeita de que
o plano esteja mais focado na necessidade de dar uma marca ao
governo Lula do que propriamente em diminuir a desnutrição.
O Fome Zero não é um programa orientado menos por critérios
técnicos e mais por critérios políticos. Lula e seus assessores sabem
que, a médio prazo, não vão oferecer bons indicadores de salários, de empregos e, muito menos,
de segurança pública.
Necessita-se urgentemente de
uma bandeira que mantenha a
população conectada ao sonho da
mudança para que não sobressaiam notícias como o aumento
da taxa de juros, a redução dos
gastos orçamentários, o ataque
aos aposentados do setor público.
Se Lula somente tivesse melhorado os mecanismos já existentes
de distribuição de renda, teria
oferecido a melhor saída técnica,
mas ficaria sem nada de marcante para exibir.
O debate detonado pelo Fome
Zero, no entanto, é uma inovação. Movido ou não pelo marketing, Lula conseguiu colocar a miséria, simbolizada pela fome, no
centro da agenda brasileira -e
obrigou algumas das principais
inteligências do país a pensar em
soluções para o notório absurdo
de pessoas não terem o que comer
em uma nação com tantas terras
férteis e tanta tecnologia. Não é
pouca coisa.
Mais importante é a evolução
das políticas compensatórias de
redução da miséria. Até pouco
tempo atrás, tais recursos eram
essencialmente assistencialistas,
muitas vezes administrados pela
sensibilidade desastrosa de primeiras-damas. Ou se prestavam a
moeda de troca nas eleições.
O aumento da degradação nas
cidades, a persistência na má distribuição de renda, a explosão da
violência e, em especial, a visível
ineficácia de planos assistenciais
estimularam o surgimento de estudos -e ajudaram a formar técnicos- que passaram a medir
cientificamente as ações de redução da miséria.
Esses estudos prosperam no setor público em lugares como o
Ipea, o IBGE ou núcleos de análise de políticas sociais, especialmente nas universidades de São
Paulo e do Rio de Janeiro. Ao
mesmo tempo, desenvolviam-se
entidades do chamado terceiro
setor, onde foram elaboradas pilhas de documentos indicando a
falta de foco dos projetos e o desperdício da fragmentação. Submetidos a uma investigação rigorosa para medir seu impacto,
muitos programas exibiam falta
de consistência e desperdícios.
Reflexo desse debate técnico, o
próprio PT foi pioneiro em ações,
mais tarde encampadas pelo governo federal, que deram mais
consistência à distribuição de recursos, com a exigência de contrapartidas do beneficiário.
Transformou-se em uma obsessão dos técnicos sérios definir com
precisão o foco, estabelecer a rede
de parceiras multidisciplinares e
estabelecer um mecanismo para
avaliar, posteriormente, o impacto do dinheiro investido. Por causa dessa relação, a pediatra Zilda
Arns, gastando pouco e colhendo
muito, tornou-se uma referência
mundial na luta contra a subnutrição.
O ineditismo da polêmica do
Fome Zero se deve ao fato de um
presidente ter colocado a miséria
no topo das preocupações brasileiras, combinado com a sofisticação do olhar da sociedade para os
gastos sociais.
Se Lula não melhorar esse plano, apresentando resultados concretos, corre o risco de fazer da fome o que eram os marajás para
Fernando Collor -apenas uma
peça publicitária para encantar o
imaginário popular.
P.S - Um dos estudos mais interessantes que já vi sobre o impacto de políticas sociais foi feito pelo
ministro Luiz Fernando Furlan,
do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior. Ele queria
melhorar a produtividade em
suas empresa (a Sadia). Investiu
na educação básica dos funcionários e de seus familiares e conseguiu medir quanto cada ano de
escolaridade implicava aumento
de escolaridade, de renda e de lucratividade.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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