São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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MOACYR SCLIAR

Mensagens brasileiras

1. A propósito de cães
 Cachorro invade pista de aeroporto no Rio e atrapalha pousos. Dois aviões procedentes de São Paulo precisaram sobrevoar a região até a liberação para o pouso. E uma aeronave teve de esperar o cão deixar a pista para decolar. Folha Cotidiano, 29.jan.2004

"Senhores dirigentes das companhias aéreas, quem vos escreve é um brasileiro frustrado. Desde criança freqüento aeroportos; desde criança adoro ver aviões aterrissando e decolando. E, desde criança, meu sonho é voar. Mas nunca pude fazê-lo. Sabem por quê? Porque não tenho dinheiro. Sou pobre. Mal tenho onde cair morto. E já estava resignado a morrer frustrado, quando uma idéia me ocorreu. Uma idéia que pus em prática e da qual os senhores acabam de tomar conhecimento. Os senhores sabem que um cachorro invadiu a pista do aeroporto Santos Dumont, atrapalhando pousos e decolagens. Isso não ocorreu por acaso. O cão foi treinado para fazer isso. Eu o treinei. Minha vida é um fracasso, mas de uma coisa posso me orgulhar, de minha habilidade em ensinar cães, os numerosos vira-latas com os quais convivo. Desta habilidade os senhores tomaram conhecimento e o farão várias vezes no futuro, se não atenderem minha exigência. Quero 20 passagens aéreas gratuitas para qualquer lugar do mundo. E quero-as imediatamente. Caso contrário vocês se arrependerão. A cachorrada já está aqui ao meu lado, latindo impaciente. Escolham. Cães na pista, ou o dono dos cães a bordo. Mas escolham logo, porque já perdi muito tempo, em terra, esperando."

2. A propósito de choro
 Empresário tem de chorar menos, diz Lula. FolhaDinheiro, 28.jan.2004

"Senhor presidente Lula: protestamos, e com a maior veemência, contra sua declaração, aliás feita longe do Brasil, segundo a qual os empresários de nosso país têm de chorar menos. Não, senhor presidente. Discordamos por completo. Os empresários têm de chorar mais. Aliás, não só os empresários: todos os brasileiros deveriam chorar mais. Todo o mundo deveria chorar mais. E sabe por quê?
Porque, em primeiro lugar, o choro é livre. Chorar não custa nada. Para chorar, não é preciso pagar juros nem impostos. Simplesmente damos vazão às emoções, liberando a torrente de pranto que está contida em cada um de nós. Chorar faz bem, alivia. Mais importante: chorar é um estímulo à economia. O que seria dos filmes lacrimosos se ninguém pudesse chorar? O que seria das comoventes novelas de TV? O que seria do cultivo da cebola, se as lágrimas fossem proibidas? O mundo precisa de pranto, senhor presidente. Não é este, por acaso, um vale de lágrimas? E é aqui que precisamos nos identificar. Somos os membros da Confederação de Fabricantes de Lenços. Orgulhamo-nos de nossa atividade. Não apenas porque produzimos e exportamos lenços, mas também porque lenços fazem parte da vida das pessoas, lenços as acompanham em cada momento, sobretudo nos momentos tristes, que não são raros. A propósito, neste momento estamos por lançar uma grande campanha publicitária, com o lema: "Não fique tenso, tenha o Brasil em seu lenço".
Deixe-nos chorar, presidente. Deixe as pessoas chorar. E aceite o presente que estamos lhe enviando, uma caixa com seis lenços, extra-largos. Use-os e o senhor verá como é bom chorar."


Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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