São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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COLÓQUIO SP PARIS

Vice-prefeito relata as experiências da capital francesa

"Gestão metropolitana deve começar projeto por projeto"

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Para que a gestão metropolitana funcione, é preciso estabelecer uma estrutura institucional específica -com parlamento e Executivo intermunicipais, por exemplo- ou a atuação conjunta das cidades interessadas, em projetos específicos, dá conta do recado -como ocorre nos consórcios?
A dúvida não é exclusiva da capital paulista, que já percebeu que muitos de seus problemas -a exemplo das enchentes, que trazem prejuízos a milhares de moradores todos os verões- só se resolverão se forem atacados de forma orquestrada com outros municípios da Grande São Paulo.
É também da cidade de Paris, que ainda não consegue replicar com as cidades vizinhas o modelo de gestão intermunicipal francês que se tornou famoso no mundo, é citado como exemplo inclusive por especialistas brasileiros e se multiplica aos milhares pelo país.
As dificuldades de operacionalizar a administração em conjunto são bem parecidas nas duas capitais (a paulistana e a francesa), e o conselho do melhor caminho a seguir, pelo menos a curto prazo, vem do vice-prefeito parisiense que cuida do planejamento urbano, Jean-Pierre Caffet, 52 (o cargo, lá, equivale ao de secretário municipal aqui, mas é eletivo).
"Não se deve colocar a carroça na frente dos bois. É melhor começar a gestão metropolitana de maneira informal, pela discussão de projeto por projeto, do que criar, logo de início, uma instituição", afirmou na entrevista que concedeu à Folha, nas coxias do auditório do Sesc Vila Mariana (zona sul de SP), logo após ter participado de mesa-redonda no colóquio São Paulo 450 Paris.
Promovido pelo Sesc (Serviço Social do Comércio) e pelas prefeituras paulistana e parisiense, o evento discutiu na semana passada, por três dias, problemas comuns às duas cidades.

Desconfiança
A partir da realidade de Paris, Caffet disse que a estrutura institucional metropolitana é difícil de montar por duas razões.
Primeiro, trata-se de um fenômeno ainda bem recente na França, onde o desenvolvimento de estruturas intermunicipais se iniciou após a sanção de uma lei federal em 99. A segunda razão é que, historicamente, a cidade de Paris, como capital do país, "sempre desprezou os municípios vizinhos ", afirmou o vice-prefeito.
"Em conseqüência desse desprezo, Paris teve, durante muito tempo, o hábito de exportar para os municípios vizinhos os pobres e o lixo. Então há uma certa desconfiança histórica. Por isso é melhor começar por projetos concretos, para que haja concordância sobre coisas que se podem fazer junto. Depois, quando os projetos começam a ser implementados e a confiança é estabelecida, vai ser possível pensar em alguma estrutura [metropolitana]", disse.
As semelhanças com a realidade da Grande São Paulo são muitas. Embora a região metropolitana exista, por lei, desde 1974, sua estrutura de gestão -da qual a única remanescente é a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Urbano S.A.)- nunca chegou a ser montada. A exportação de população pobre para cidades vizinhas também ocorreu, acompanhando o processo de periferização impulsionado pelo aumento do custo de vida nas regiões centrais da cidade.
Por outro lado, a capital também manteve, senão desprezo, um distanciamento histórico em relação às questões metropolitanas, reconhecido pela atual administração, que diz estar procurando recuperar o tempo perdido.
Um exemplo simbólico, mas considerado importante, foram as duas visitas feitas pela prefeita Marta Suplicy (PT) à nova sede do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que, apesar de ser uma das mais bem-sucedidas experiências de gestão intermunicipal, fora ignorado pelas administrações paulistanas anteriores.
Os consórcios, fóruns intermunicipais e modelos inspirados nos comitês de bacias hidrográficas (com participação igualitária do Estado, das prefeituras e da sociedade) são defendidos por muitos municípios, inclusive São Paulo e Guarulhos (os dois maiores da Grande SP), que rejeitam a atual forma de gestão metropolitana, centrada no governo estadual.
Os ideais de um Legislativo intermunicipal e um prefeito metropolitano são difíceis de atingir, reconhecem os especialistas, e mais difíceis ainda de financiar.

Exemplo francês
Mas tais ideais foram rapidamente alcançados por diversas pequenas cidades francesas, em grande parte dos casos por imposição da necessidade.
Segundo Caffet, há milhares de instituições intermunicipais na França porque a maioria das 36 mil cidades do país -o Brasil tem cerca de 5.500- são muito pequenas para cuidar sozinhas de problemas como deposição do lixo e abastecimento de água.
Trabalhando juntas, elas conseguem também uma economia com o ganho de escala, afirma o vice-prefeito. Os cidadãos elegem os representantes que integrarão as instituições intermunicipais. São eles que decidem juntos sobre os projetos que vão ser realizados -a lei federal dá um apoio financeiro a esse tipo de ordenamento. "É um meio também de redistribuição da riqueza", diz Caffet.
Modelo semelhante funciona na região da Ile de France, que engloba Paris e mais sete distritos -nos quais se dividem 1.281 cidades e quase 11 milhões de pessoas. Há na região, porém, uma forte presença do governo federal, segundo o vice-prefeito, pelo fato de nela estar a capital do país.



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