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Da favelania à filosofia espírito de porco
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
De novo o traficante Marcinho
VP (aquele que recebeu uma bolsa do documentarista João Salles
para escrever um livro), que é boa
pinta, fala direito, tem lá um discurso articulado em defesa dos
pobres e prega a "favelania", movimento pela conscientização política dos favelados.
Uma amiga minha olhou bem
para a cara dele na TV, falando à
CPI do Narcotráfico, e disse: nossa! O cara é bonito, gostoso! Que
tempos, que país! Mas traficante
manda cortar as mãos de criancinhas, queimar com cigarro. Mata
gente inocente, rouba, assalta, estupra, só causa danos à sociedade.
Não fosse isso, era o caso de namorar bandido.
O negócio do narcotráfico no
Rio de Janeiro é bem essa comédia
de horrores. O governador Anthony Garotinho, que parecia disposto a moralizar as polícias e os
morros, que se elegeu com apoio
de ricos e pobres, intelectuais e
analfabetos, é um fiasco típico da
política brasileira.
É como se, antes de se eleger, o
indivíduo vestisse uma máscara,
que tira depois de eleito. O resultado é esse excesso de cabelo de
Garotinho, de idéias tronchas e
blablablá evangélico de pseudo-pastor que só pensa em ser presidente da República!
Dizem que o principal assessor
de Marcinho VP é também um
evangélico. São dois lados da mesma moeda, portanto, o governador e o traficante, ambos manobrando a camada mais baixa da
sociedade, que é sempre não-individual e, por isso, vítima das manifestações religiosas menos aristocráticas (essas seitas pentecostais) do que as religiões de renúncia, que buscam a meditação e o
autoconhecimento.
Claro que ninguém está querendo ser indulgente com a droga ou
o narcotráfico, mas é preciso admitir que o discurso do traficante
faz sentido, enquanto o do governador não convence ninguém. O
jornal carioca "O Dia" publicou
no último domingo trechos do depoimento que VP deu a João Salles em 1996.
"Minha luta será sempre pelo
povo", diz ele. "Eu queria fazer filosofia, ser professor. Aqui, para
não ser morto, você tem de tomar
uma atitude. (...). Não existe possibilidade do morro sem tráfico.
Ou você é traficante ou escravo do
capitalismo. O povo brasileiro é
totalmente omisso, escravo. (...).
Eu quero conscientizar o meu povo de que não pode continuar assim. Eles têm que brigar."
E VP seria, por fim, melhor professor de filosofia do que Olavo de
Carvalho, jornalista-filósofo que
escreveu na Folha de 24 de abril
uma perigosa aula de moral e cívica sobre o narcotráfico.
Carvalho vê "esquerda" e "direita" em tudo -numa divisão
propositalmente simplista-, e
acha que a esquerda dos anos 60 é
responsável pela apologia das
drogas e a disseminação do vício.
Num verdadeiro surto de paranóia fascista, ele junta no mesmo
saco o ex-ministro da Justiça José
Carlos Dias, Frei Betto, os guerrilheiros de Chiapas, João Moreira
Salles e Luiz Eduardo Soares, ex-subsecretário da Segurança do
Rio, todos, segundo Carvalho, esquerdistas desonestos, empenhados em combater a "direita" e não
o narcotráfico.
O discurso é idêntico ao da extrema-direita francesa, também
racista e homofóbica. Carvalho é
um espírito de porco da filosofia,
escondido sob o epíteto de "expert
do desmascaramento da pseudo-argumentação". O morro, sim, é
que é o verdadeiro professor.
E-mail mfelinto@uol.com.br
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