São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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VIOLÊNCIA

Maioria dos homicídios na cidade ocorre de segunda a sexta; de 95 a 2000, polícia conseguiu resolver 42% dos casos

À luz do dia, SP vê 29,5% dos assassinatos

José Nascimento/Folha Imagem
O corpo do comerciante Elias Marinho Jr.


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pela estatística difundida pela própria polícia de que a grande maioria dos homicídios ocorre à noite e aos finais de semana, o comerciante Elias Marinho Jr., 39, dificilmente seria uma das vítimas. Mas foi. Marinho recebeu três tiros pelas costas quando abria a sua padaria no Jardim dos Ipês (zona leste de São Paulo). O crime ocorreu por volta das 7h de ontem, uma quarta-feira.
O assassinato do comerciante não é, no entanto, uma exceção nas estatísticas criminais da cidade de São Paulo. Dos homicídios dolosos (com intenção de matar) registrados no primeiro trimestre deste ano, 29,5% ocorreram à luz do dia -unindo as ocorrências nos períodos da manhã e da tarde.
Os dados fazem parte das estatísticas usadas pela polícia às quais a Folha teve acesso (veja quadro nesta página).
Esses números não levam em consideração os latrocínios (roubos seguidos de morte). Segundo a polícia, os homicídios dolosos geralmente são motivados por rixas, desentendimentos ocasionais e queima de arquivo.
Para especialistas em criminalidade ouvidos pela Folha, a ocorrência de quase um terço dos assassinatos intencionais durante o dia -revelando indiferença em relação a testemunhas, por exemplo- significa sentimento de impunidade e falta de prioridade ao combate aos crimes de violência contra a pessoa.

Manhã
A exemplo de Elias Marinho Jr., de janeiro a março deste ano, 174 (13,2% do total) pessoas foram mortas pela manhã em São Paulo, segundo registros policiais. Outras 213 (16,2% do total) foram assassinadas no período da tarde.
O centro de São Paulo registrou pela manhã 20% do total de homicídios dolosos do primeiro trimestre deste ano. É o maior percentual de mortes ocorridas nesse turno entre as regiões abrangidas pelas oito delegacias seccionais de polícia. À tarde, a incidência registrada caiu para 9,23%.
Na Delegacia Seccional de Polícia de Itaquera (zona leste), área que abrange o local onde Marinho foi assassinado ontem, teve 25% dos homicídios registrados durante o dia.
Já na relação de crimes por dia da semana, a morte de Marinho, ocorrida em uma quarta-feira, reflete a maioria dos casos.
Os assassinatos praticados de segunda-feira a sexta-feira representaram 64,6% dos registros. Os finais de semana, apontados pelos próprios policiais como grandes concentradores de ocorrências, somaram 35,3% dos casos.
A maior diferença foi registrada na região da Delegacia Seccional Leste. Dos homicídios dolosos registrados, 72% ocorreram em dias úteis. Os sábados e os domingos contabilizam 28% das mortes.

Impunidade
Para o coronel da reserva José Vicente da Silva, pesquisador da área de segurança do Instituto Fernand Braudel, o sentimento de impunidade ajuda a explicar a morte de Marinho e de outras vítimas de homicídio à luz do dia.
"Quando as pessoas são mortas e a chamada rádio peão (fatos relatados boca a boca) não fala que alguém foi preso, o clima de impunidade acaba sendo reforçado", avalia o pesquisador.
Segundo o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil paulista, entre 1995 e 2000, 42% dos homicídios dolosos foram esclarecidos. Para Silva, esse índice não chega a 20%.
Estudo feito por ele em 600 inquéritos policiais em Diadema (Grande SP), por exemplo, de 1998 a 2000, revelou um percentual ainda menor: apenas 6% dos casos chegaram a uma conclusão.
Para Silva, só com um levantamento detalhado, definindo os perfis do agressor e da vítima, será possível coibir esse tipo de crime.
Na avaliação do pesquisador, o sentimento de impunidade, por exemplo, faz o agressor cometer o crime durante o dia, mesmo com o risco maior de contar com testemunhas. Também o faz acreditar que a possível testemunha não irá depor para a polícia.
Ontem, depois do assassinato do comerciante do Jardim dos Ipês, a Polícia Militar encontrou uma testemunha que viu um homem negro, vestido de calça preta e camisa branca, atirar quando Marinho ainda abria a padaria, que comprara havia três semanas.
O comerciante não viu o agressor. Morreu segurando os cadeados da porta. Nada foi levado, e o agressor fugiu a pé, calmamente.
Segundo o soldado da PM Cosme Tarno, minutos depois a testemunha, muito nervosa, fugiu para não depor à polícia. "Achar testemunha aqui é muito difícil. Ninguém quer se envolver", disse o sargento da PM Edson Bertolli.
Para Luis Antonio de Souza, do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), a incidência de casos durante o dia mostra que o combate à violência contra a pessoa não é prioridade das ações policiais.
"A preferência é o combate ao crime contra o patrimônio. Furtos, roubos, sequestros. Todos os recursos da polícia são distribuídos para isso", disse Souza.
Para ele, a única maneira de diminuir os homicídios dolosos é o investimento no policiamento comunitário. "O policial vai começar a intermediar os conflitos existentes entre os grupos que acabam resultando nas mortes", afirmou Souza.



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