São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

"Que" ou "de que"?

Num trecho da coluna da semana passada, escrevi isto: "...teríamos a informação de que apenas os irritados...". Um leitor reclamou do "de que", afirmando que caí em contradição ao empregar essa construção, que, em textos anteriores, eu mesmo já tinha dado como errônea.
Não é a construção "de que" em si que é errônea, caro leitor. É seu emprego em determinadas situações. Cada caso é um caso.
Para ilustrar o tema, vejamos três das alternativas erradas de uma questão da primeira fase do vestibular de 2002 da Fuvest, cujo enunciado pedia a indicação da frase que está de acordo com a norma escrita culta:
a) "Acho que esta acusação é uma das tantas coisas ridículas que sou obrigado a me defender";
b) "Há uma sensação que tudo, ou quase tudo, vai ser diferente";
c) "Nós já estamos próximos de um consenso que o atual modelo está falido".
No item "a", falta um "de" antes do "que" ("...coisas ridículas de que sou obrigado a me defender". Esse "de" sai de "defender" ("defender-se de").
No item "b", também falta um "de" ("...sensação de que tudo vai ser diferente"). Esse "de" sai do substantivo abstrato "sensação". Quando se tem uma sensação, tem-se uma sensação "de" algo.
Por fim, no item "c", também falta um "de" ("consenso de que o modelo atual..."). A preposição "de" é regida pelo substantivo "consenso" ("consenso de algo").
Cabe uma observação em relação aos dois últimos itens: em textos literários, não faltam exemplos em que se omite o "de" regido por substantivos abstratos. Nesse território, construções como "Tenho certeza que..." e "Tenho a impressão que..." são comuns. A Fuvest entende que, em linguagem formal, esse "de" é de rigor.
No trecho do texto da semana passada ("...teríamos a informação de que apenas os irritados..."), é mais do que correto o uso do "de" antes do "que", uma vez que, se existe a informação, existe a informação "de" algo.
Quando, então, não se usa "de que" na língua culta? Quando nenhum termo rege a preposição "de". Em "Quero deixar claro de que minha posição é definitiva", por exemplo, o "de" sobra, já que não se deixa claro de algo; deixa-se claro algo. A forma aceitável no padrão culto, portanto, é "Quero deixar claro que...".
Muita gente atribui a Lula e aos sindicalistas a paternidade do "de que". Pura bobagem! O "dequeísmo" (uso de "de que" sem termo que reja o "de") é objeto de estudo há um bom tempo. O fenômeno, por sinal, é comum também no espanhol das Américas.
Para o público em geral, ao qual não interessam as minudências dos estudos sociolinguísticos, o que importa é saber que, em língua formal, não se usa "de que" se não houver termo que reja o "de".
A necessidade do conhecimento básico desse assunto é confirmada pelas bancas examinadoras dos mais importantes vestibulares do país. Numa de suas provas, a Fuvest apresentou um texto jornalístico em que havia duas ocorrências de "de que" e pediu que os candidatos explicassem por que uma era correta e a outra, não.
Em língua culta, portanto, em vez de "Nós entendemos de que essa é a melhor proposta", diga-se e escreva-se "Nós entendemos que essa é a melhor proposta". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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