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PASQUALE CIPRO NETO
"Que" ou "de que"?
Num trecho da coluna da semana passada, escrevi isto:
"...teríamos a informação de que
apenas os irritados...". Um leitor
reclamou do "de que", afirmando
que caí em contradição ao empregar essa construção, que, em textos anteriores, eu mesmo já tinha
dado como errônea.
Não é a construção "de que" em
si que é errônea, caro leitor. É seu
emprego em determinadas situações. Cada caso é um caso.
Para ilustrar o tema, vejamos
três das alternativas erradas de
uma questão da primeira fase do
vestibular de 2002 da Fuvest, cujo
enunciado pedia a indicação da
frase que está de acordo com a
norma escrita culta:
a) "Acho que esta acusação é
uma das tantas coisas ridículas
que sou obrigado a me defender";
b) "Há uma sensação que tudo,
ou quase tudo, vai ser diferente";
c) "Nós já estamos próximos de
um consenso que o atual modelo
está falido".
No item "a", falta um "de" antes do "que" ("...coisas ridículas
de que sou obrigado a me defender". Esse "de" sai de "defender"
("defender-se de").
No item "b", também falta um
"de" ("...sensação de que tudo vai
ser diferente"). Esse "de" sai do
substantivo abstrato "sensação".
Quando se tem uma sensação,
tem-se uma sensação "de" algo.
Por fim, no item "c", também
falta um "de" ("consenso de que o
modelo atual..."). A preposição
"de" é regida pelo substantivo
"consenso" ("consenso de algo").
Cabe uma observação em relação aos dois últimos itens: em textos literários, não faltam exemplos em que se omite o "de" regido
por substantivos abstratos. Nesse
território, construções como "Tenho certeza que..." e "Tenho a impressão que..." são comuns. A Fuvest entende que, em linguagem
formal, esse "de" é de rigor.
No trecho do texto da semana
passada ("...teríamos a informação de que apenas os irritados..."), é mais do que correto o
uso do "de" antes do "que", uma
vez que, se existe a informação,
existe a informação "de" algo.
Quando, então, não se usa "de
que" na língua culta? Quando nenhum termo rege a preposição
"de". Em "Quero deixar claro de
que minha posição é definitiva",
por exemplo, o "de" sobra, já que
não se deixa claro de algo; deixa-se claro algo. A forma aceitável no
padrão culto, portanto, é "Quero
deixar claro que...".
Muita gente atribui a Lula e aos
sindicalistas a paternidade do "de
que". Pura bobagem! O "dequeísmo" (uso de "de que" sem termo
que reja o "de") é objeto de estudo
há um bom tempo. O fenômeno,
por sinal, é comum também no
espanhol das Américas.
Para o público em geral, ao qual
não interessam as minudências
dos estudos sociolinguísticos, o
que importa é saber que, em língua formal, não se usa "de que" se
não houver termo que reja o "de".
A necessidade do conhecimento
básico desse assunto é confirmada pelas bancas examinadoras
dos mais importantes vestibulares do país. Numa de suas provas,
a Fuvest apresentou um texto jornalístico em que havia duas ocorrências de "de que" e pediu que os
candidatos explicassem por que
uma era correta e a outra, não.
Em língua culta, portanto, em
vez de "Nós entendemos de que
essa é a melhor proposta", diga-se
e escreva-se "Nós entendemos que
essa é a melhor proposta". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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