São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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INFÂNCIA

Segundo pediatra, divulgação de casos pela imprensa estimula as vítimas a romperem o silêncio e a apontarem os abusadores

Denúncia de crime sexual cresce 145%

ELIANE MENDONÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O primeiro trimestre do ano registrou um crescimento de 145% no número de denúncias de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes se comparado ao mesmo período de 2001. Respectivamente, foram verificadas no país 366 denúncias contra 149.
O levantamento foi realizado pela Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência), em parceria com o Ministério da Justiça. O maior crescimento (180%) foi verificado no número de casos de abuso sexual -60 em 2001 contra 168 casos neste ano.
Alguns detalhes do levantamento assustam. Exemplo: cerca de 80% dos casos de abuso sexual são cometidos por alguém que a vítima ama e confia. Em 62,76% dos casos a violência é cometida por alguém da própria família, pais e padrastos lideram o ranking dos abusadores.
Outro dado preocupante: 79,17% dos abusos acontecerem dentro da casa onde a vítima mora, o que dificulta a denúncia.
Segundo o presidente da Abrapia, o pediatra Lauro Monteiro Filho, 65, o crescimento no número de denúncias não significa que esteja ocorrendo um aumento no número de casos.
"Que isso acontecia com frequência nós já sabíamos. A dificuldade era mesmo de que as pessoas tivessem a consciência da barbaridade do ato e tomassem a iniciativa de romper o silêncio e denunciar. Acho que é isso o que está começando a acontecer."
Segundo ele, algumas pesquisas internacionais revelam que apenas 10% dos casos de abuso sexual chegam a ser denunciados.
"O tabu existe porque os abusadores são sempre pessoas que gozam da confiança da criança e sabem o bastante dela para conhecerem algumas características de sua personalidade que deixam evidente sua vulnerabilidade."
Monteiro filho disse que são "presas fáceis" os menores inseguros, tímidos e com problemas de auto-estima.
"Isso pode acabar causando um trauma que a vítima, seja ela criança ou adolescente, vai levar para o resto da vida. A não ser que ela consiga desabafar o que passou com alguém de sua confiança, o que, infelizmente, não acontece com frequência", afirmou.
Para ele, o que tem motivado o aumento de denúncias é a ampla divulgação pela mídia de casos envolvendo violência contra crianças e adolescentes da classe média, nos últimos meses.
Como exemplos, há os casos de pedofilia envolvendo padres da Igreja Católica e o do pediatra Eugenio Chipkevitch, 47, acusado de abusar sexualmente de 35 pacientes -a maioria adolescentes.
Apesar de o incesto (relação sexual entre membros da mesma família) ser a modalidade mais comum de abuso sexual, não é a única. A definição, segundo a Agência de Notícias dos Direitos da Infância é muito mais ampla. Inclui desde carícias erotizadas, masturbação forçada e exibicionismo até a violência psicológica e a sedução da vítima por meio de ameaças e chantagens.
O número de casos de exploração sexual também dispararam no primeiro trimestre deste ano em comparação ao ano anterior.
Foram 89 denúncias recebidas nos três primeiros meses de 2001 contra 198 no mesmo período deste ano -um salto de 222%.
O que difere as duas modalidades de violência -exploração e abuso- é, basicamente, a relação comercial. Nos casos de exploração há sempre dinheiro envolvido e, com frequência, a presença de um aliciador, que faz a "comercialização" com o "freguês".
A Abrapia lançará no próximo dia 18, quando se comemora o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, uma cartilha com dicas de como pais devem orientar os filhos contra a violência. Serão 7.000 unidades, a serem distribuídas a instituições que trabalham na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
A data foi escolhida por ter sido o dia da morte da menina Araceli Santos, 10, vítima de sequestro, estupro e assassinato, em Vitória (ES), em 1973.



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