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VALE A PENA SABER
PORTUGUÊS
Leitura de poemas requer sensibilidade e referências
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Minha terra tem palmeiras,/
Onde canta o sabiá; /As
aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá." Os versos do romântico Gonçalves Dias são dos
mais conhecidos da literatura
brasileira, uma espécie de símbolo do ufanismo, da exaltação patriótica da terra. São talvez os
mais retomados por outros poetas -ora para reforçar seu conteúdo de elogio à nação, ora para
parodiar a sua ingenuidade. O importante é que esse poema é uma
referência na nossa literatura. O
Hino Nacional Brasileiro, de Osório Duque Estrada, reaproveita
um de seus trechos: "Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida,
no teu seio, mais amores".
No modernismo, o poema foi
alvo de paródias -imitações de
caráter irônico-, entre as quais o
poema "Canto de Regresso à Pátria", de Oswald de Andrade: "Minha terra tem palmares/ Onde
gorjeia o mar/ Os pássaros daqui/
Não cantam como os de lá ...".
Esse recurso, que permite ao escritor criar uma espécie de diálogo entre textos, chama-se intertextualidade. Seu emprego é freqüente na literatura moderna. Por
isso, para ler poesia hoje, é preciso
cultivar não só a sensibilidade
mas também a cultura geral.
O famoso e não menos polêmico poema de Drummond "No
meio do caminho" ("No meio do
caminho tinha uma pedra/ tinha
uma pedra no meio do caminho/
tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra") é uma
recriação satírica do poema parnasiano "Nel Mezzo del Camin"
("Cheguei. Chegaste.Vinhas fatigada/ E triste, e triste e fatigado eu
vinha"). Drummond fez seu texto
dialogar de modo irreverente
com o de Bilac, usando o mesmo
título (mas em português) e estrutura de construção semelhante
(organizada em quiasmo, isto é,
os termos se repetem em disposição cruzada).
Bem mais tarde, Drummond
retomaria o seu próprio texto no
poema "Legado", em que a imagem da "pedra no meio do caminho" passa a ser uma metonímia
de toda a sua obra: "De tudo
quanto foi meu passo caprichoso/
na vida, restará, pois o resto se esfuma,/ uma pedra que havia no
meio do caminho". Sem a compreensão da intertextualidade,
não se chega à interpretação da
"pedra que havia no meio do caminho". O poeta, ao empregar tal
recurso, cria uma relação de cumplicidade com o leitor, pois o imagina partilhando de uma mesma
experiência ou vivência cultural.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi
responsável pelas aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
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