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São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2003

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Repressão policial não é suficiente contra narcotráfico, diz especialista

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

A certeza de que não é possível zerar o consumo no mundo produziu nos últimos anos uma nova teoria sobre o combate às drogas, um consenso entre especialistas ouvidos pela Folha, de que é preciso investir em repressão policial -atacando a oferta- e na redução do consumo -resgatando usuários e evitando que outros sejam recrutados pelo tráfico.
Ao se falar em usuário de drogas, é preciso separar a pessoa que consome droga eventualmente do dependente químico -usuário frequente-, diz a farmacologista Solange Nappo, 51, pesquisadora do Cebrid/Unifesp (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo).
Pesquisas americanas mostram que os usuários eventuais são a maioria, mas não há estudo que aponte qual desses consumidores mais financia o tráfico de drogas.
O que se sabe, porém, é que "os problemas relacionados às drogas, como o crime e as doenças, estão concentrados em uma parcela pequena dos usuários, que são os usuários regulares", diz o economista Peter Reuter no livro "Drogas", escrito pelo jornalista Rodrigo Vergara, que recupera o histórico do tratamento dado à questão no mundo. Professor do Departamento de Criminologia da Universidade de Maryland (EUA), Reuter é considerado um dos maiores especialistas na área.
Na Holanda, por exemplo, 5.000 dos 25 mil dependentes (20%) são responsáveis por metade dos crimes leves ocorridos no país. Na Inglaterra, os usuários de heroína e cocaína estão envolvidos em 32% das atividades criminais.
Não há pesquisa semelhante no Brasil, mas a situação do crack em São Paulo, estudada pelo Cebrid desde o início dos anos 90, pode ajudar a entender o problema: o dependente, em geral homem e jovem, consome em média de dez a 15 pedras de crack por dia (gasta R$ 100 a R$ 150 diariamente). Em um mês, gastaria R$ 3.000, rendimento superior ao da maioria dos trabalhadores brasileiros.
O resultado é que esse dependente acaba migrando para o roubo ou à prostituição.
Enquanto o crack predomina entre as drogas mais consumidas em São Paulo, a cocaína é o principal problema no Rio. Lá, aparentemente, os traficantes não permitiram a entrada do crack.

Sem alarme
Por enquanto, os dados de consumo de drogas não são considerados alarmantes. A última pesquisa do Cebrid, de 2001, realizada com moradores de 12 a 65 anos de 107 cidades do país com mais de 200 mil habitantes, mostrou que 19,4% da população pesquisada -cerca de 9 milhões- tinha utilizado pelo menos uma vez algum tipo de droga que não seja álcool ou tabaco. Em uma pesquisa semelhante realizada nos EUA, essa porcentagem chegou a 38,9%; no Chile, atingiu 17,1%.
O estudo do Cebrid permitiu estimar em 1% os dependentes de maconha, atrás do álcool, do tabaco e de remédios controlados, como os calmantes. Não foi possível aferir o número de dependentes de crack e cocaína por causa dos números muito baixos.
Para Nappo, uma das autoras do estudo, o Brasil ainda permanece como corredor de escoamento da droga. Relatório da PF estima que só 20% da cocaína que passa pelo país é consumida aqui.
A notícia negativa do levantamento do Cebrid é a quantidade de pessoas que acham fácil ter acesso a entorpecentes. Dos entrevistados, 60,9% (equivalente a 28,6 milhões) afirmaram ser muito fácil obter maconha, 45,8% disseram o mesmo sobre a cocaína e 36,1%, idem para o crack.
Para o ex-secretário nacional Antidrogas (99-2000) Wálter Fanganiello Maierovitch, "o país precisa ter políticas de redução de ofertas, de demanda, de tratamento e de reinserção social".
Maierovitch é um crítico da estratégia americana, que defende a erradicação da produção de drogas, mas que até hoje não conseguiu acabar com o problema -apesar dos milhões injetados na guerra ao narcotráfico. Ele defende a política de redução de danos aplicada em países da Europa, como Suíça e Holanda, onde se aplica a substituição de determinadas drogas e a liberação controlada de algumas substâncias, além da descriminalização do porte.
Em setembro de 2002, a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) apresentou a Teoria do Leque, em uma conferência nos EUA, como estratégia contra as drogas no país. O plano prevê ações em duas frentes: repressão contra o tráfico e esforços contra o consumo, sem, contudo, detalhar tais ações.


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