São Paulo, sábado, 02 de junho de 2007

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Dias dos moradores do Alemão são maiores e piores

"Não temos nada a ver com essa situação e estamos pagando o pato", resume balconista

Escolas e creches estão fechadas, lixo não é recolhido, correspondência não é entregue e telefones fixos não funcionam

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

O filho mais velho da balconista Nilda Braga tem 12 anos e um sonho: ser administrador de empresas. Mas, por causa do conflito entre policiais e traficantes na Vila Cruzeiro, onde mora, há um mês sua escola está fechada e seu sonho, mais distante.
"Com o mundo desse jeito, cheio de violência, qual é a saída se não for pela educação? Querem que meu filho vire um projeto de bandido? Ele está triste, chorando, porque gosta de estudar", conta Nilda, 30. A família de Nilda é uma das milhares afetadas pela guerra no complexo do Alemão e nas favelas da Penha, onde vivem mais de 150 mil pessoas. Estima-se que menos de 1% tenha envolvimento com o tráfico. A maioria são trabalhadores e crianças que estão com suas vidas viradas de cabeça para baixo.
O complexo do Alemão tem o mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre todos os 126 bairros do Rio: 0,711. É igual ao da Indonésia, 108º no ranking mundial. A Penha está melhor, em 87º (0,804), pois o bairro reúne uma grande população de classe média. As seis escolas de ensino fundamental e as três creches do complexo estão trancadas. A Secretaria Municipal de Educação prometeu uma solução no dia 11. Transferir os alunos para escolas de outros bairros é uma possibilidade.
Os 3.000 lojistas locais já perderam R$ 5 milhões, segundo cálculo da Associação Comercial do Rio de Janeiro. E os imóveis se desvalorizaram em 30%, de acordo com um corretor da região.

Sem curso, sem casa
O lixo não é retirado das ruas, o abastecimento de água está escasso e telefones fixos não funcionam. O fornecimento de luz chegou a ser interrompido, mas foi religado. "O social parou, a educação parou, a economia parou. Só recebemos bala", afirma o presidente da Associação de Moradores da Vila Cruzeiro, Antônio Tibúrcio.
Por causa das balas, os dias de Nilda e seus dois filhos passaram a ser maiores e piores. O primogênito já acordava às 5h, mas era para pegar um ônibus cedo e não perder as aulas de informática na Mangueira (zona norte). Agora, nem esse curso está fazendo. "Não é seguro sair a esta hora", diz Nilda. Ela deixa o filho mais velho na casa de uma pessoa que vive longe do Alemão e o mais novo numa escola também afastada.
Às 12h, pega o caçula, de 5 anos, e o leva para onde está o irmão. Por volta de 17h, sai do trabalho, busca os dois e vai para casa. Ou não. "Tem semana em que a gente dorme só três noites em casa. Eu ligo antes e, se a situação está ruim, não volto", diz. Como os carteiros não se arriscam a entrar na favela desde o início dos tiroteios, muitos moradores tiveram de ir aos Correios ou às empresas para pagar suas últimas contas -e com atraso.
"Tudo ficou pior. Não temos nada a ver com essa situação [o conflito] e estamos pagando o pato", conta Nilda, cuja irmã deixou de fazer serviços de faxina para ficar na Vila Cruzeiro com os filhos, agora sem escolas para ir. "Se o confronto parasse hoje, levaríamos uns três anos para nos recuperar. E as crianças, principalmente, vão precisar de ajuda psicológica. Elas choram só ao ouvir fogos e vêem o Caveirão como o bicho papão", diz Tibúrcio.
No Alemão, a expectativa de vida da população era de 64,8 anos em 2000, seis anos inferior à do Brasil e quase 16 anos inferior à do melhor bairro da cidade, a Gávea (zona sul). Cerca de 14% da população era analfabeta, e apenas 13,5% das pessoas chegaram a freqüentar em algum momento o segundo grau ou a universidade.
"Não se pode justificar o crime pela miséria, mas esse clima de miséria é favorável ao crime", afirma o general Carlos Alberto de Santos Cruz, comandante da missão da ONU (Organização das Nações Unidas) no Haiti.


Colaboraram MÁRCIA BRASIL E RAPHAEL GOMIDE , da Sucursal do Rio


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