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Dias dos moradores do Alemão são maiores e piores
"Não temos nada a ver com essa situação e estamos pagando o pato", resume balconista
Escolas e creches estão fechadas, lixo não é recolhido, correspondência não é entregue e telefones fixos não funcionam
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
O filho mais velho da balconista Nilda Braga tem 12 anos e
um sonho: ser administrador
de empresas. Mas, por causa do
conflito entre policiais e traficantes na Vila Cruzeiro, onde
mora, há um mês sua escola está fechada e seu sonho, mais
distante.
"Com o mundo desse jeito,
cheio de violência, qual é a saída se não for pela educação?
Querem que meu filho vire um
projeto de bandido? Ele está
triste, chorando, porque gosta
de estudar", conta Nilda, 30.
A família de Nilda é uma das
milhares afetadas pela guerra
no complexo do Alemão e nas
favelas da Penha, onde vivem
mais de 150 mil pessoas. Estima-se que menos de 1% tenha
envolvimento com o tráfico. A
maioria são trabalhadores e
crianças que estão com suas
vidas viradas de cabeça para
baixo.
O complexo do Alemão tem o
mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre
todos os 126 bairros do Rio:
0,711. É igual ao da Indonésia,
108º no ranking mundial. A Penha está melhor, em 87º
(0,804), pois o bairro reúne
uma grande população de classe média.
As seis escolas de ensino fundamental e as três creches do
complexo estão trancadas. A
Secretaria Municipal de Educação prometeu uma solução
no dia 11. Transferir os alunos
para escolas de outros bairros é
uma possibilidade.
Os 3.000 lojistas locais já
perderam R$ 5 milhões, segundo cálculo da Associação Comercial do Rio de Janeiro. E os
imóveis se desvalorizaram em
30%, de acordo com um corretor da região.
Sem curso, sem casa
O lixo não é retirado das ruas,
o abastecimento de água está
escasso e telefones fixos não
funcionam. O fornecimento de
luz chegou a ser interrompido,
mas foi religado.
"O social parou, a educação
parou, a economia parou. Só recebemos bala", afirma o presidente da Associação de Moradores da Vila Cruzeiro, Antônio
Tibúrcio.
Por causa das balas, os dias de
Nilda e seus dois filhos passaram a ser maiores e piores. O
primogênito já acordava às 5h,
mas era para pegar um ônibus
cedo e não perder as aulas de
informática na Mangueira (zona norte). Agora, nem esse curso está fazendo. "Não é seguro
sair a esta hora", diz Nilda.
Ela deixa o filho mais velho
na casa de uma pessoa que vive
longe do Alemão e o mais novo
numa escola também afastada.
Às 12h, pega o caçula, de 5 anos,
e o leva para onde está o irmão.
Por volta de 17h, sai do trabalho, busca os dois e vai para casa. Ou não.
"Tem semana em que a gente
dorme só três noites em casa.
Eu ligo antes e, se a situação está ruim, não volto", diz.
Como os carteiros não se arriscam a entrar na favela desde
o início dos tiroteios, muitos
moradores tiveram de ir aos
Correios ou às empresas para
pagar suas últimas contas -e
com atraso.
"Tudo ficou pior. Não temos
nada a ver com essa situação [o
conflito] e estamos pagando o
pato", conta Nilda, cuja irmã
deixou de fazer serviços de faxina para ficar na Vila Cruzeiro
com os filhos, agora sem escolas para ir.
"Se o confronto parasse hoje,
levaríamos uns três anos para
nos recuperar. E as crianças,
principalmente, vão precisar
de ajuda psicológica. Elas choram só ao ouvir fogos e vêem o
Caveirão como o bicho papão",
diz Tibúrcio.
No Alemão, a expectativa de
vida da população era de 64,8
anos em 2000, seis anos inferior à do Brasil e quase 16 anos
inferior à do melhor bairro da
cidade, a Gávea (zona sul). Cerca de 14% da população era
analfabeta, e apenas 13,5% das
pessoas chegaram a freqüentar
em algum momento o segundo
grau ou a universidade.
"Não se pode justificar o crime pela miséria, mas esse clima
de miséria é favorável ao crime", afirma o general Carlos
Alberto de Santos Cruz, comandante da missão da ONU
(Organização das Nações Unidas) no Haiti.
Colaboraram MÁRCIA BRASIL E RAPHAEL GOMIDE , da Sucursal do Rio
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