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TRAGÉDIA NO ATLÂNTICO
Avião estava perto de tempestade ao fazer último contato
Não se sabe se o Airbus da Air France entrou na região atingida pela tormenta ou se o comandante fez um desvio
Avião enviou uma mensagem automática à companhia aérea perto desse horário, indicando perda de pressão na cabine e ainda falha elétrica
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Como em quase todo acidente aéreo, um conjunto de fatores pode ter contribuído para o
desaparecimento do Airbus-330 da Air France. Mas todo
elenco de especulações com as
parcas informações disponíveis até ontem inclui a tempestade na rota do voo AF 447, levantando dúvidas adicionais.
Até aqui, só há dois dados objetivos sobre o raro incidente
-só 6% dos acidentes ocorrem
na fase de cruzeiro, como foi o
caso. Os pilotos fizeram o último contato por rádio com o
controle brasileiro em Fernando de Noronha às 22h33, avisando que iam na rota UN873
até o ponto virtual de Tasil, que
marca a fronteira entre a jurisdição brasileira e a senegalesa
naquele trecho do Atlântico.
Ele deveria chegar ao ponto
virtual às 23h20, se despedir do
controle brasileiro e informar
sua posição ao Senegal. O contato por radar havia sido perdido às 22h48, o normal na área.
Aí entra o segundo dado.
Pouco antes de atingir o ponto
Tasil, às 23h14, o Airbus enviou
mensagem automática de computador para a empresa, indicando perda de pressão na cabine e falha elétrica. Segundo informações do corpo diplomático em Paris, houve uma sequência de mensagens automáticas disparadas pela aeronave.
Como a região presumida do
acidente estava com uma grande tempestade em curso, surge
aqui a lógica de indicá-la como
responsável pelo problema do
avião. Mas isso é puramente especulativo, até porque não se
sabe se o piloto a enfrentou.
Os dois motores teriam de
ter passado por uma falha, atingidos por granizo ou chuva forte, gerando perda elétrica. Nesse caso, uma pequena hélice
desce junto ao trem de pouso
frontal para gerar energia de
emergência para controlar o
avião, mas ela poderia ter sido
arrancada pela tempestade.
Especialistas como Roberto
Peterka, que foi investigador do
antigo Departamento de Aviação Civil, acham a hipótese improvável devido à redundância
de sistemas elétricos no avião.
Como ainda foi relatada pelo
computador a perda de pressão, há a possibilidade de a tempestade ou outro fator ter causado algum dano. Nesse caso,
uma rajada de granizo dentro
de uma nuvem poderia estilhaçar o parabrisa, com a descompressão matando os pilotos.
Poderia atingir asas ou o sistema hidráulico que as controla.
Essa descompressão também poderia ocorrer numa explosão, na hipótese de um atentado, que abrisse um buraco na
fuselagem. Mas aí os pilotos teriam soltado um chamado de
socorro, o que não ocorreu. Já
uma explosão descomunal é
improvável porque o computador não teria tido tempo de enviar a mensagem.
Voltando à tempestade, raios
de alta potência poderiam causar tal dano à fuselagem, à cabine ou a uma das asas. Nesse caso, como elas têm partes feitas
de materiais como fibra de carbono, que são mais sensíveis, os
danos podem ser maiores. Eles
podem também atingir o sistema elétrico do aparelho,
"enlouquecendo" os computadores que controlam o avião.
Ainda no campo das especulações, um contêiner pode ter
se desprendido no porão de
carga devido a uma turbulência
violenta e atingido a porta, causando danos à fuselagem.
Especialistas questionam,
contudo, a importância da tempestade no acidente -até porque não se sabe se o AF 447 a
enfrentou diretamente. Segundo a Aeronáutica, não houve relatos de incidentes com outros
aviões ontem. A Lufthansa, por
exemplo, disse que dois de seus
aviões que passaram pela área
não tiveram problemas.
A Aeronáutica publicou quatro alertas sobre a tempestade
em sua rede de meteorologia na
internet entre 18h e meia-noite
do domingo. Os dois últimos
avisos, entre 21h e 23h, citavam
que o topo da tempestade se
encontrava entre 37 mil pés e
38 mil pés (entre 11,3 km e 11,6
km). O avião, que decolara às
19h29, entrou em sua zona por
volta das 23h com o último registro no radar brasileiro de altitude de 35 mil pés (10,7 km).
Em tese, "dentro" da tempestade ou em uma área de influência, mas não se sabe se o
piloto alterou seu curso. Ele poderia ter subido e ser obrigado a
descer devido a uma despressurização, entrando no redemoinho das nuvens.
O planejamento de rotas inclui as condições do tempo. Até
porque, para desconforto dos
que se apegam ao ditado de que
"turbulência não derruba
avião", zonas coalhadas com os
chamados CBs (sigla para nuvens gigantescas em cujo interior ocorrem violentos fenômenos atmosféricos) são evitadas sempre que possível.
Além disso, o radar do avião
figura entre os mais modernos
no mundo. Detecta tempestades a quase 500 km de distância, diz o diretor de segurança
de voo do sindicato dos aeronautas, Carlos Camacho.
Exceto por uma falha total do
radar, que seria em tese informada, dificilmente ele não
identificaria algo à sua frente.
Para o ex-controlador de voo
Jorge Barros, talvez a somatória de um defeito de radar, plano de voo incompleto ou até
"excesso de confiança" dos pilotos pode explicar o incidente.
Entra então o fator humano.
Radares modernos fazem o rastreamento automático de nuvens. Só que pilotos reclamam
que essa função só registra
tempestades mais fortes. Então, durante subidas de nível,
eles muitas vezes mudam para
o modo manual. Ocorre que um
piloto pode esquecer o radar no
manual. Assim, a antena fica
em posição para localizar tempestades na subida, mas inadequada para voos nivelados
Será necessária a difícil descoberta das caixas-pretas do
avião para elucidar o acidente.
(IGOR GIELOW, ALAN GRIPP, ALENCAR IZIDORO, RICARDO SANGIOVANNI, JOHANNA NUBLAT e EVANDRO SPINELLI)
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