São Paulo, sábado, 02 de julho de 2005

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ALÉM DA FRONTEIRA

Sociólogo, líder esquerdista nos anos 70, diz que não participou de crime pelo qual foi condenado na Itália

Extradição é a morte, diz italiano preso no RJ

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O italiano Pietro Mancini, que mora no Brasil desde 1978 e foi preso pela PF com base em mandado expedido na Itália há 30 anos


JOSÉ MESSIAS XAVIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

"A extradição é para mim uma sentença de morte", afirma o sociólogo italiano esquerdista Pietro Mancini, preso pela Polícia Federal, na semana passada, no Rio, por ter mandado de prisão expedido contra ele pela Justiça italiana, sob acusação de assassinato.
Mancini, 56, era um dos líderes do grupo radical esquerdista Autonomia Operária e participou de passeata em Milão, em 1977, que terminou em tiroteio entre a polícia e militantes armados da sua facção política. Mancini foi condenado a 19 anos de cadeia, à revelia, pelo crime. Preso, espera uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre sua extradição. Em média, um processo como esse demora nove meses.
Naturalizado brasileiro, Mancini vive há 24 anos no país. Há oito dias, divide uma cela no presídio Ary Franco, em Água Santa, zona norte do Rio, com vários detentos, entre eles o pagodeiro Belo, condenado por tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Tem quatro filhos -três morando na Itália e um no Brasil- e é dono da produtora de vídeo Studio Line, em Botafogo. Nega envolvimento na morte do policial.
Em entrevista à Folha, Mancini acusa o governo italiano de usar leis anti-máfia para perseguir adversários políticos.
 

Folha - Por que o sr. escolheu o Brasil para viver?
Pietro Mancini
- Minha chegada ao Brasil foi casual, não foi uma decisão calculada. No final dos anos 70, todos os espaços de construção política estavam estagnados e eu dei uma parada. Foi também quando o movimento ao qual eu pertencia começou a entrar em crise profunda. Já havia passado essa primeira fase da minha vida, que durou de 1968 a 1977. Então, toda a minha geração entrou em uma outra fase de busca, de viagens. Visitei países como EUA, Argentina e Oriente, até que cheguei casualmente ao Brasil. Aqui eu encontrei minha mulher atual, a Paola (também italiana). Ela ficou grávida de Luna. Minha filha cresceu aqui, e a gente começou uma vida nova. Consegui a naturalidade brasileira e estou amparado pela lei. Votei em todas as eleições no Brasil desde 82.

Folha - Como o sr. explica a condenação pela Justiça italiana?
Mancini
- A Itália estava em um período pré-revolucionário. Lembro que as lideranças dos vários grupos de Milão marcaram uma passeata contra a repressão. Seria pacífica, em princípio. Eu estava no final da manifestação, junto com outras lideranças e nos deparamos com uma barreira de policiais militares. Um grupo de pessoas -o mais velho deles deveria ter entre 17 e 18 anos- estava à frente da passeata. Houve disparos de gás lacrimogêneo da parte da polícia. Então, ouvimos vários tiros lá na frente da passeata. Um desses tiros atingiu um policial. Mas o projétil caiu de cima, como uma bala perdida, atingindo a cabeça do policial. Eu fui acusado de ser um dos organizadores da passeata e, consequentemente, pela minha liderança política, de ser um mentor de várias outras manifestações. Comigo, mais de 40 pessoas foram acusadas. Fotografias foram tiradas no momento em que houve o confronto. Eu não apareço em nenhuma delas. Eu estava lá, mas não no grupo que entrou em confronto.

Folha - Se não há provas de seu envolvimento direto no caso, a que o sr. atribui sua condenação?
Mancini -
Minha participação foi apontada por meio de declarações do que chamamos de arrependidos. Na Itália, não houve anistia política, mas houve uma outra linha de ação do governo. É uma linha baseada nos arrependimentos das pessoas, cuja origem foi o primeiro grande combate à máfia nos anos 70. Essas pessoas eram convidadas a se arrepender e a entregar nomes e reconstruir fatos pelos quais poderiam ser indiciadas outras pessoas. No meu caso, a delação de alguém obstruiu provas materiais.

Folha - O sr. acha que é uma condenação política?
Mancini
- Se houvesse ocorrido uma anistia, como no Brasil, poderíamos entender melhor aquele período político italiano. No caso brasileiro, temos um momento em que grande parte da inteligência que estava cristalizada nos movimentos populares participa da reconstrução da sociedade. Na Itália não. Toda essa geração foi afastada do cenário político.

Folha - Por que só agora o sr. foi preso?
Mancini
- Pegar um fato de mais de 20 anos atrás é uma tática do governo do Silvio Berlusconi, que está mergulhado em uma crise econômica e política sem precedentes. Acho que a única linha que ainda funciona nesse governo é aquela que o torna aliado dos EUA, fazendo guerras, atacando o terrorismo de qualquer jeito.

Folha - Nunca as autoridades italianas o procuraram?
Mancini -
Estou no Brasil há 24 anos, minha vida é pública e até liderei campanha para outros anistiados. Nunca me escondi e freqüentei, inclusive, o consulado italiano. Todo mundo sabia que eu estava no Rio. A extradição é para mim uma sentença de morte, pois tenho 56 anos e fui condenado a 19 anos e meio de prisão na Itália. Vou morrer na cadeia.


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