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Cientistas tentam manter estudo sobre droga
Fapesp suspendeu projeto de pesquisa sobre redução de danos do uso de ecstasy com base em noticiário da imprensa
Cientistas se mobilizam em abaixo-assinado para tentar convencer fundação a
retomar financiamento de trabalho sobre a droga
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Médicos, psicólogos, farmacologistas, psiquiatras -intelectuais, docentes e cientistas
com currículos vistosos que incluem cursos de especialização
nas mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos e da
Europa- aliaram-se a freqüentadores de baladas e outros agitos da noite paulistana para
subscrever moção de apoio a
duas pesquisadoras da Universidade de São Paulo atingidas
por medida inédita na história
da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo). Até sexta-feira passada, eram 805 os signatários
em defesa das pesquisadoras.
A mobilização dos cientistas
e do chamado "povo da noite" é
uma resposta à suspensão pela
Fapesp da liberação de recursos para o projeto de pesquisa
coordenado pela pós-doutoranda em psicologia Stella Pereira de Almeida, 43, e pela professora titular do Instituto de
Psicologia da USP, Maria Teresa Araujo Silva, 67.
No dia 18 de junho passado,
Maria Teresa recebeu carta assinada pelo procurador da Fapesp, Andrei Vinicius Gomes
Narcizo, comunicando-lhe que
"dada a gravidade das denúncias veiculadas pela imprensa",
a fundação determinou "a imediata suspensão" da liberação
de recursos para o projeto de
pesquisa "Implantação e Avaliação de Programa de Redução
de Danos para o Uso de Ecstasy
na Cidade de São Paulo".
As "denúncias" a que se refere a nota do procurador consistem em noticiário sobre a distribuição de 8 flyers (folhetos,
no jargão do pessoal das festas),
impressos em tiragens de
4.000 exemplares cada, em festas onde é notório o uso de ecstasy. No material, informações
sobre como consumir a droga
com menos riscos para a saúde.
Exemplo de "dica": "Uma
forma de diminuir os riscos do
consumo de ecstasy é tomar
metade da dose planejada,
aguardar os efeitos (pode demorar até uma hora) e então
decidir se tomará a outra metade". Houve quem visse incitamento ao consumo da droga,
impressão reforçada pelo nome
"fantasia" do projeto: Baladaboa, que pode ser lido como
"balada boa", ou como "bala da
boa" ("bala" é uma das gírias
que designa ecstasy).
"É subestimar demais a inteligência das pessoas", afirma
Stella. "Daqui a pouco, vai-se
dizer que o lema "se beber, não
dirija" é um estímulo a que as
pessoas encham a cara, ou que a
distribuição de preservativos é
um incitamento a orgias." Segundo a pesquisadora, o projeto serve exatamente para checar a linguagem mais adequada
para se atingir os usuários de
ecstasy. "O objetivo é dialogar
com os usuários. Se esse nome
não se mostrasse adequado, poderíamos mudá-lo."
O projeto de pesquisa sobre
ecstasy foi aprovado há um ano
pela própria Fapesp, incluindo
a sistemática de análise pelos
pares. Também recebeu aval do
Comitê de Ética sobre Pesquisas em Humanos do Instituto
de Psicologia da USP. Os protocolos científicos foram validados e eram de conhecimento da
Fapesp, que, inclusive, já havia
liberado 83% da verba da bolsa,
além de 71% dos recursos necessários para a confecção e a
impressão dos flyers.
Fernando Cunha, assessor de
comunicação da Fapesp, disse
que nenhum dos diretores da
fundação falaria sobre o assunto. Garantiu que a decisão de
suspender a liberação dos recursos tinha sido "da presidência", atualmente ocupada pelo
poeta Carlos Vogt.
Segundo Cunha, suspensões
de recursos são "comuns", em
casos de atrasos na entrega de
relatórios científicos. Ele disse,
entretanto, que "nunca viu",
"não tem conhecimento de suspensões a partir de noticiário
da imprensa" -como foi o caso
com a pesquisa de redução de
danos aplicada ao ecstasy. A comissão formada para avaliar a
pesquisa tem 30 dias para apresentar o relatório final. Se aprovar o relatório de pesquisa, o financiamento será retomado.
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