São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007

Próximo Texto | Índice

TRAGÉDIA EM CONGONHAS

Falha ocorreu 2 segundos antes do pouso

Dados da caixa-preta revelam que o computador do avião deu alerta aos pilotos de que algo estava errado no momento da aterrissagem

Transcrição da gravação da cabine de vôo mostra que a colisão do avião com o prédio ocorreu 25 segundos depois de a aeronave tocar a pista

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A caixa-preta com dados de voz do Airbus da TAM que explodiu em Congonhas mostra que a falha central em todo o acidente ocorreu apenas dois segundos antes de o avião tocar no solo. Nesse momento, o vôo 3054 acelerou incorretamente e o computador fez um alerta de que algo estava errado. A transcrição mostra o desespero dos pilotos, que não conseguiram controlar a aeronave, resultando no maior acidente aéreo do país, com 199 mortos.
A transcrição da gravação da cabine do vôo, divulgada ontem pela CPI do Apagão Aéreo, mostra que os pilotos acionaram os manetes (alavancas de controle de potência das turbinas) no momento certo. O correto é desacelerar ambos motores e deixar em ponto morto. Mas algo deu errado: o avião reagiu com aumento do nível de ruído das turbinas.
Um segundo depois, o GPWS (Ground Positioning Warning System) emitiu o sinal sonoro "retard" (retardar), reiterando o aviso normal de desaceleração que havia sido dado pelo computador de bordo.
Conforme a Folha antecipou ontem, esse fato foi determinante para a seqüência de eventos que levou o avião a não conseguir parar no pouso. O manete da turbina direita estava, segundo o registro da caixa-preta, em posição errada, levando à falência do sistema de frenagem e à aceleração na pista. O que não se sabe é se isso foi erro do piloto, como o dado registrado indica, ou se houve alguma falha no equipamento.
A transcrição também mostra que a colisão no prédio aconteceu 25 segundos depois de o avião tocar a pista, tempo no qual os pilotos percebem que algo muito errado aconteceu e se desesperam.
Tentam frear e controlar o avião, mas não conseguem. A última coisa registrada na gravação é um grito de mulher, provavelmente uma comissária que estaria na cabine.
O diálogo entre os pilotos é curto e dramático. Eles são identificados na caixa-preta pela posição que ocupam nos assentos, esquerdo para piloto e direito para o co-piloto, mas não se sabe quem ocupava qual deles na hora do acidente.
Ao tocar no solo, às 18h48m26s, o co-piloto confirma o funcionamento de apenas um reverso. Três segundos depois, no lugar de confirmar o funcionamento dos spoilers (freios aerodinâmicos na asa), ele diz: "Spoilers nada". Isto é, os freios não funcionaram. Esse freio teria de ser acionado automaticamente no pouso.
O piloto procura alguma explicação. Quatro segundos depois, às 18h48m30s, se desespera: "Aiii. Olha isso!". O co-piloto pede: "desacelera, desacelera". "Não consigo, não consigo", responde o piloto, que tentou parar o avião com os freios hidráulicos das rodas.
Ele tenta manter o rumo da aeronave e exclama "Ai meu Deus" pouco antes da bater na mureta do final da pista, cruzar a avenida e explodir no prédio.

Falha
Uma hipótese central na investigação das causas do acidente é a de que o computador de bordo do Airbus pode ter interpretado que não era a intenção dos pilotos pousar, já que houve um comando de aceleração em um dos manetes, ainda que por erro. Por isso teria acelerado em pista.
Quando estava a 20 pés (6 metros) de altura, o computador de bordo dá duas vezes o alerta "retard" (retardar). Este é o momento no qual o piloto deve desacelerar os manetes até o ponto morto, para que toque na pista sem aceleração.
Em seguida fica registrado na gravação o som de manuseio dos manetes -mas não se sabe se o procedimento foi executado corretamente. Quase simultaneamente, o som de aceleração foi captado pelo microfone geral na cabine, conforme transcrito pelo NTSB (National Transportation Safety Board).
Com isso, um segundo antes de tocar o solo, outro computador, o GPWS, emite sinal pedindo a mesma desaceleração: "Retard". Esse sistema monitora a proximidade do solo para alertar de perigo e pode servir como sistema anti-colisão.
A partir do toque no solo, há a confusão que os dados apontavam: as turbinas passam a acelerar e os freios não funcionam automaticamente, indicando que o Airbus "entendeu" que o piloto queria acelerar.
Apesar da indicação de erro do piloto no uso do manete, as autoridades que investigam o acidente pedem cautela, devido à possibilidade de falha mecânica no acionamento das alavancas ou até falha eletrônica do computador de bordo.
A transcrição mostra uma aproximação para aterrissagem em Congonhas aparentemente normal. Os pilotos sabiam do problema no reversor do motor esquerdo: "Lembre-se, temos apenas um reverso", diz a pessoa no assento do comandante. "Sim, somente o esquerdo", responde o co-piloto.
O piloto estava preocupado com a pista escorregadia. Ele orienta o co-piloto a pedir informações da torre do aeroporto sobre a pista. O controlador responsável informa duas vezes que está "molhada e escorregadia". O comandante chega a comentar com o co-piloto: "molhada e escorregadia!".
Segundo outro dado da caixa-preta revelado pela Folha ontem, só o reverso esquerdo teria sido colocado em máximo, quando o manual da Airbus afirma que ambos manetes devem ser acionados dessa forma.
Com uma turbina em aceleração e outra em reverso para auxiliar a frenagem, o avião não conseguiu parar na pista.


Próximo Texto: Pasquale Cipro Neto: "Comigo me dasavim"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.