São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2006

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TRAGÉDIA NO AR

Piloto diz que só percebeu "leve impacto'; começa o resgate de corpos na floresta

À polícia tripulação do jato afirma não ter percebido que colidiu com o Boeing e que ainda voou meia hora antes de aterrissar

Equipes de resgate só encontraram fragmentos de corpos no local; peças da aeronave estão espalhadas em um raio de 500 metros


Alan Marques/Folha Imagem
Na fazenda Jarinã, militares se preparam para resgate


LEONARDO SOUZA
ENVIADO ESPECIAL A CUIABÁ

EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL A PEIXOTO DE AZEVEDO (MT)

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE AZEVEDO

Um "leve impacto" e nenhuma desconfiança de que haviam colidido com outro avião. Essa foi a informação mais surpreendente do depoimento prestado ontem por Joseph Lepour e Jan Palladino, piloto e co-piloto do Legacy 600 que se chocou com o Boeing 737-800 da Gol na sexta-feira.
Em depoimento à polícia de Mato Grosso na madrugada de ontem, Lepour e Palladino disseram não ter visto nada, nem antes nem depois do que chamaram de um "leve impacto".
A caixa-preta do Legacy, que registra o funcionamento dos instrumentos de bordo e a comunicação entre pilotos e o controle aéreo, está sendo analisada pelo CTA (Centro Técnico Aerospacial), em São José dos Campos. "A única coisa que dá para afirmar por enquanto é que houve a colisão", disse a diretora da Anac Denise Abreu.
O resgate dos corpos das 155 vítimas começou ontem. Apenas fragmentos foram encontrados. "A situação é muito pior do que qualquer um de nós possa imaginar", disse o comandante da operação, brigadeiro Jorge Kersul Filho. Corpos mutilados e peças da aeronave estão espalhados em um raio de até 500 metros.
O avião caiu de nariz e está encoberto pela copa das árvores. Noventa militares estão envolvidos na operação de resgate, que deve durar pelo menos uma semana.
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e a FAB (Força Aérea Brasileira) admitiram ontem que não há chance de haver sobreviventes. "Só um milagre completo para haver sobreviventes", afirmou o ministro da Defesa, Waldir Pires.
Em Cuiabá, os policiais levaram quase nove horas para ouvir os depoimentos dos sete ocupantes do Legacy adquirido da Embraer pela empresa de táxi-aéreo norte-americana ExcelAir Services. Todos foram ouvidos, com a ajuda de intérpretes, na condição de vítimas.
Piloto e co-piloto disseram ter seguido o plano de vôo à risca: estavam no piloto automático e voando na altura preestabelecida de 37 mil pés. Por volta das 17h, sem que o sistema de anticolisão acusasse a aproximação de outro avião, um choque desarmou o piloto automático, obrigando Lepour a controlar manualmente o aparelho, o que fez sem dificuldades.
Pela janela, os tripulantes notaram que a ponta da asa esquerda estava danificada e decidiram aterrissar meia hora depois na base aérea da serra do Cachimbo.
Falaram sobre o incidente às autoridades da Aeronáutica somente após o pouso, quando disseram ter sido informados do desaparecimento do avião da Gol.
Segundo o delegado Anderson Garcia, um dos responsáveis por colher os depoimentos, o testemunho dos passageiros não destoou do prestado pelos tripulantes. Também disseram que não viram nada, que apenas ouviram o barulho causado pelo choque.
O fato de não terem reportado o incidente pelo rádio despertou a desconfiança dos delegados. A polícia trabalha com a hipótese de homicídio culposo. Podem ser responsabilizados o piloto e o co-piloto do jatinho e controladores de tráfego aéreo, se comprovada imperícia, imprudência ou negligência dos envolvidos no acidente.
Além dos tripulantes, estavam no jato Ralph Michielli e David Jeffrey Rimmer (proprietários da ExcelAir Services), o jornalista norte-americano Joe Sharkey, do "The New York Times", e os funcionários da área de vendas da Embraer Henry Arthur Yendle (baseado nos Estados Unidos) e Daniel Bachmann, único brasileiro a bordo.

Familiares
Em vez de prostração, raiva e revolta. Ontem, parentes das vítimas da queda do vôo 1907 pediram audiência com o ministro Waldir Pires e cobraram das autoridades "posição mais clara e imediata da situação real do acidente". Foram constituídos comitês, e houve três entrevistas coletivas organizadas pelos parentes das vítimas.
À tarde, um grupo foi ao aeroporto de Brasília tentar participar de uma entrevista que seria concedida pela Anac. Após relutância da agência em recebê-los, familiares começaram a gritar. Ficou acertado que a Anac divulgará dois boletins diários aos parentes.


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