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Caixa-preta de Legacy revela que torre errou
Controle em São José dos Campos autorizou que jato voasse a 37 mil pés até Manaus, mesma altitude do Boeing da Gol
Também ocorreu falha na comunicação com o centro de controle do tráfego aéreo
de Brasília, e transponder do jato não funcionou
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
A torre de controle de vôos
de São José dos Campos (SP)
autorizou os pilotos do Legacy,
Joe Lepore e Jean Paladino, a
voar na altitude de 37 mil pés
até o aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, apesar de essa altitude ter se tornado "contramão" na rota após Brasília
-e onde estava o Boeing-737
da Gol atingido e derrubado no
choque com o jato da Embraer.
Esse foi o primeiro de uma
sucessão de erros que geraram
o choque, em 29 de setembro,
matando 154 pessoas. Depois
disso, houve falha na comunicação entre o Legacy e o Cindacta-1 (centro de controle do
tráfego aéreo de Brasília), o
transponder (que alertaria o
sistema anti-colisão do Boeing)
não estava funcionando no Legacy e o avião da Gol não foi
alertado para o risco.
O plano de vôo original do
Legacy previa três altitudes: 37
mil pés entre São José dos
Campos e Brasília, passando
para 36 mil pés a partir da capital e para 38 mil pés a partir do
ponto Teres da carta aeronáutica (a 480 km de Brasília, em
Mato Grosso) até Manaus. O
Legacy, porém, voou todo o
tempo em 37 mil pés.
Pela caixa-preta do Legacy,
que está sob a responsabilidade
do Cenipa (Centro Nacional de
Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos), o
controlador da torre de São José dos Campos se comunicou
em inglês com os americanos
Lepore e Paladino durante o
procedimento de "clearence"
-ou seja, de autorização para a
decolagem.
Nesse diálogo, gravado, Lepore pede para decolar, a torre
autoriza e diz, claramente, que
ele deve subir para 37 mil pés
"até o aeroporto Eduardo Gomes", de Manaus, contrariando
o que especificava o plano de
vôo -em poder dos pilotos e
das autoridades aeronáuticas.
A versão obtida pela Folha
confirma o que dizem os advogados dos pilotos, o brasileiro
Theo Dias e o americano
Robert Torricelli, de que eles
teriam autorização para voar
em 37 mil pés, apesar de ser
"contramão" no rumo Brasília-Manaus.
Nos registros do Cindacta-1,
o último contato do Legacy foi
quando a aeronave estava a 52
milhas -ou a cerca de sete minutos- de Brasília, para um
procedimento comum: os pilotos comunicaram ao centro de
controle que tinham atingido a
altitude de 37 mil pés.
O piloto Lepore deu o registro do avião, Legacy N600XL,
avisou que estava no nível 370,
que corresponde a 37 mil pés, e
desejou "boa tarde" em inglês.
O controlador de plantão
respondeu, pediu que o piloto
apertasse o botão de identificação do vôo e desejou boa viagem. O botão a que se referia é
do transponder -que não funcionou. Os pilotos confirmam
que o acionaram para registrar
a identificação do vôo, mas o
Cindacta-1 diz que o equipamento não estava funcionando
a partir de Brasília e que os
controladores tentaram várias
vezes, sem sucesso, alertar a
tripulação. Os pilotos reagem
dizendo que também tentaram, sem sucesso, se comunicar com o Cindacta-1 quando
sobrevoaram Brasília. Sem esse contato, decidiram seguir a
orientação original, segundo
seus advogados e representantes da empresa ExcelAire que
conversaram com a Folha.
Segundo a Aeronáutica, um
dos erros dos pilotos americanos foi não acionar o código
7600 no transponder, registrando a perda de comunicação. O aparelho ficou fora do ar
até cerca de dois minutos depois do choque com o Boeing,
na área de Mato Grosso, quando voltou a funcionar já com o
código 7700, de emergência.
Já segundo os advogados dos
pilotos e os representantes da
empresa americana, o Cindacta-1 também errou, ao perceber
que havia algo errado com o
vôo e não alertar imediatamente o Boeing que vinha em sentido contrário e na mesma altitude. A alegação do Cindacta-1,
encampada pela Aeronáutica, é
de que o centro não identificou
com precisão que o Legacy estava na altitude de 37 mil pés, o
que só poderia ser feito caso o
transponder estivesse funcionando. Sem ele, a altitude é
conferida no radar pelo equipamento primário de segurança,
que é impreciso. Nesse caso, há
uma variação no radar que pode chegar até a 1.500 pés.
Tudo somado, há uma sucessão de erros. O original deles
foi a autorização da torre de
São José dos Campos para o
vôo se realizar em 37 mil pés,
mas isso poderia ter sido corrigido com a comunicação entre
o avião e o Cindacta-1, pelo
transponder e o sistema anti-colisão e, finalmente, pela determinação de que o Boeing
desviasse, ou para cima ou lateralmente, como determinam as
normas internacionais e nacionais de segurança de vôo.
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