São Paulo, quarta-feira, 03 de janeiro de 2001

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GOVERNO DO PT

Prefeita não esclarece que almoço com sem-teto era restrito e provoca corrida de excluídos atrás de comida

Tumulto marca primeiro ato de Marta
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Guarda Civil Metropolitana contém sem-teto que desejavam participar do almoço com a prefeita



CHICO DE GOIS
GABRIELA ATHIAS

ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

O primeiro compromisso público da prefeita Marta Suplicy (PT) com um segmento dos excluídos da cidade- um almoço com líderes de moradores de rua - foi marcado por tumulto e trapalhadas. A confusão precisou ser controlada por integrantes da GCM (Guarda Civil Metropolitana).
O almoço, realizado ontem na Casa de Anchieta, Pátio do Colégio, centro da cidade, foi planejado para 60 pessoas, entre moradores de rua e coordenadores de entidades que trabalham com essa população.
Segundo o presidente do Sindicato de Hotéis e Restaurantes, Nilson de Abreu Pinto, que financiou a refeição, apesar de terem sido convidadas apenas 60 pessoas, havia comida para 170.
O problema é que em nenhum momento ficou claro que o evento era restrito a um grupo de pessoas e os organizadores do almoço não esperavam que a notícia se espalhasse rapidamente.
Anteontem, durante a posse, Marta disse, em seu discurso, que "amanhã (ontem) selarei esse compromisso almoçando com o povo da rua". A prefeita e sua assessoria não detalharam que o evento seria restrito a 60 pessoas.
Por causa da confusão que se iniciava no portão da Casa de Anchieta, a refeição, marcada para as 12h30, acabou atrasando. Marta só deixou o Palácio das Indústrias, sede da prefeitura, às 13h09.
Logo após a entrada da prefeita no Pátio do Colégio, cerca de 50 moradores de rua sem convite já esperavam no portão na esperança de conseguir almoçar de graça.
A notícia, que alguns disseram ter ouvido no rádio, outros na TV e outros pela divulgação boca a boca, logo se espalhou e por volta das 13h30, enquanto aumentava o número de pessoas do lado de fora, uma equipe do sindicato dos hotéis e da prefeitura fez uma "coleta" entre os restaurantes do centro, solicitando doações de marmitex e refrigerante para os famintos do lado de fora.
Segundo o sindicato, foram servidas no total 680 marmitas e 200 lanches (pão francês com queijo e presunto), além de copos de água mineral e refrigerante em lata.
Às 14h40, as marmitas e lanches começaram a ser distribuídos e houve empurra-empurra no portão. O número de pessoas em busca de comida foi aumentando à medida que iam chegando mais quentinhas.
Seis GCMs controlavam a população que não foi convidada para almoçar. Quando a comida começou a ser distribuída, foi preciso reforço de mais seis para controlar o tumulto.
Mesmo assim, algumas pessoas não conseguiram alimento. "Me atropelaram quando eu fui tentar pegar a comida. Teve gente que comeu duas vezes. Eles tinham que se preparar para dar comida para todo mundo", disse o desempregado Ronaldo Silva Novaes, 31.
"Não estou surpreso com o que está acontecendo", disse o secretário da Assistência Social, Evilásio Farias. "Isso é o retrato da miséria da cidade", completou.
O padre Júlio Lancellotti, vigário do Povo da Rua, uma espécie de movimento que congrega cerca de 800 líderes de sem-teto (cerca de 10% do total), disse que o almoço era para comemorar a regulamentação da lei 12.316/97, que normatiza direitos para os moradores de rua (texto abaixo).
A freira Regina Maria Manoel, da Organização de Auxílio Fraterno, explicou que os convites foram enviados para a coordenação das entidades que trabalham com os sem-teto. Coube a essa coordenação a seleção dos participantes do encontro com a prefeita.

Almoço
Em seu discurso, Marta chamou os moradores de rua de "amigos e amigas". Disse que estava ali para cumprir uma promessa de campanha e que o ato principal não era o almoço em si, mas a assinatura do decreto que regulamentava uma lei da vereadora Aldaíza Sposati (PT) que beneficiava esses moradores. O padre Júlio Lancellotti também fez questão de afirmar que "o povo da rua não está aqui por causa da comida, mas de dignidade e emprego".
A prefeita almoçou com três representantes de moradores de rua. No cardápio, arroz, feijão, farofa, salada mista e um cozido de carne e legumes. Melancia e banana eram a sobremesa.
José Carlos Simões Almeida, 50, foi um dos que almoçaram com a prefeita. Ele trabalha numa cooperativa de reciclagem de papel e latas de alumínio e mora de aluguel numa casa em Santo Amaro, zona sul. Almeida está há um ano e meio trabalhando na rua. Antes, era almoxarife em uma metalúrgica. Ele elogiou a prefeita. "Ela é muito bacana e educada."
O diagramador Ailton José, 28, que mora num albergue, também almoçou com Marta. Ele disse que participou da discussão da lei de Aldaíza. "Depois de muito tempo, o poder público começou a ver o lado social e as pessoas que estão à margem da sociedade."
Pedro Alves de Oliveira, 32, aproveitou a oportunidade de estar ao lado da prefeita para lhe pedir emprego e uma residência fixa. Eletricista desempregado, ele também mora em albergue e disse que se sentiu à vontade na presença de Marta Suplicy.


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