São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

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Dos 81.991 policais contratados pela PM de SP, 36.111 não participam diretamente do combate à violência
Barbeiro, músico e motorista
desfalcam PM nas ruas

Mariene Bergamo/Folha Imagem
O capitão-maestro Antonio Carlos Fernandes, 45, rege o Corpo Musical da PM; há 22 anos na corporação, nunca deu um tiro


MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

Quase a metade do efetivo da Polícia Militar paulista está em funções que têm pouco ou nada a ver com a finalidade a que se destina a corporação -a de policiar. Levantamento inédito feito pela Folha revela que 44% dos PMs estão fora do policiamento de rua.
Em números redondos, há 36.111 PMs em atividades que vão de cortar o cabelo, consertar carros, tocar um instrumento, cozinhar e produzir adoçante para o cafezinho. O adoçante, no caso, é feito pela diretoria de saúde da PM.
Vão para as ruas 45.880 policiais. Como há três turnos de trabalho e o regime mais comum prevê que um PM trabalhe duas jornadas seguidas de oito horas e tenha um descanso de 16 horas, são necessários cinco grupos para cumprir as escalas. Resumo da ópera: se os policiais fossem distribuídos de maneira linear, o que não ocorre, haveria 5.735 PMs nas ruas do Estado em cada um dos três turnos.
A Folha incluiu no levantamento os bombeiros, os policiais de trânsito, a Polícia Florestal e a Polícia Rodoviária por uma razão simples: só assim é possível comparar o efetivo da PM paulista com a de outros lugares do mundo.
Em Nova York, por exemplo, a polícia não tem bombeiros ou guardas florestais. Lá, a burocracia corresponde a 14,14% do efetivo, mas há uma diferença: as tarefas são realizadas por civis.
Em Nova York, quando se diz que há um policial para cada grupo de 190 habitantes, anuncia-se algo bem próximo do que ocorre.
No Estado de São Paulo, quando se diz que há um PM para cada 427 habitantes, anuncia-se uma meia verdade. Segundo o levantamento da Folha, que exclui bombeiros, guardas de trânsito e florestais, há um PM para 762 habitantes. A proporção recomendada pelas Nações Unidas é de um policial para 250 habitantes em cidades populosas.

Desvios legais
Há desvios, sempre legais, de todos os tipos na PM paulista. Só em atividades administrativas, nas quais estão incluídos barbeiros, motoristas e pessoal para planejamento, há 14.734 policiais. Equivalem a 18% do total do efetivo.
O padrão aceito internacionalmente para policiais lotados na burocracia varia de 8% a 10%, segundo o coronel da reserva José Vicente da Silva Filho.
O segundo maior contingente está voltado para a segurança de presídios. Há 4.500 PMs vigiando presos. Em março do próximo ano, quando estiverem inaugurados todos os 21 presídios construídos durante o governo de Mário Covas, serão 6.500 PMs.
Dentro da polícia, eles são chamados de "lagartixas" -por andarem sobre as muralhas dos presídios. A própria PM não quer realizar esse tipo de trabalho, mas o faz enquanto o governo não cria um profissional exclusivo para essa função. A Polícia Federal optou por outro esquema -contrata seguranças de empresas privadas para a função de sentinela.
Um coronel entrevistado pela Folha, que prefere não ver o seu nome revelado, classificou de "absurdo" o uso de PMs em presídios. O Estado gasta 11 meses na formação desse profissional e, em vez de mandá-lo para as ruas, coloca-o numa muralha, onde tudo que ele precisa saber é apertar um alarme ou disparar para o alto.
Há desvios menos nobres. As 16 bandas da PM no Estado ocupam 620 policiais. Só no Corpo Musical da polícia, um batalhão voltado para a música, há 14 oficiais-maestros. Só para comparar: a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e a Filarmônica de Nova York têm dois maestros cada.
Há ainda cerca de 600 barbeiros e cabeleireiras. Apesar de ter contratos de manutenção com empresas para carros e rádios, a PM mantém mecânicos, funileiros e técnicos em telecomunicações.
O gigantismo também contamina o topo da hierarquia. Na Casa Militar, que cuida da segurança do governador e gerencia a Defesa Civil, há 493 policiais. O Comando Geral da PM tem um a menos. A Secretaria da Segurança Pública abriga outros 177 PMs.
Nas ruas, esses três contingentes poderiam policiar uma cidade de 406.700 habitantes, similar a São José do Rio Preto (SP).



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