São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2008 |
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GILBERTO DIMENSTEIN De tanto morrer se aprende a viver
A PONTADA MUNDIALMENTE COMO uma referência de civilidade urbana, Curitiba foi alvo, na semana passada, de um pesado ataque a sua imagem. Quem
imaginaria que lá se poderia correr
mais risco de assassinato do que no
Rio de Janeiro? Comparadas a São Paulo e ao Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis são cidades que têm populações pequenas, não sofrem com tantas favelas, oferecem educação de melhor qualidade e registram um nível de desemprego mais baixo. O responsável pelo "Mapa da Violência", Julio Jacobo Waiselfisz, da Ritla (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana), acredita que haja uma questão de aprendizado. "Lugares mais pacatos não se prepararam como deveriam para o aumento da violência", diz ele. A leitura de seu relatório mostra que a média nacional caiu entre os períodos de 2004 e 2006, em comparação com o biênio anterior, por causa especialmente dos resultados melhores (embora ainda preocupantes) obtidos pelas regiões metropolitanas do Rio, de Belo Horizonte e de São Paulo. Registraram-se quedas, embora modestas, até mesmo na tão temida Baixada Fluminense, em cidades como Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu. Sem algumas melhorias nos indicadores de homicídio nessas três regiões metropolitanas, a manchete dos jornais seria a seguinte: "Explode a violência no Brasil". Foi o desempenho dessas regiões que ajudou a compensar os índices de lugares como Foz de Iguaçu, no Paraná, que, embora ostente uma das maiores belezas do mundo, as famosas cataratas, carrega o incômodo título de capital brasileira da morte de jovens. Só para dar uma idéia, a queda na média nacional, naquele período, foi de 5%, com a redução, em termos absolutos, de 1.739 mortes -o número é muito próximo do atingido apenas na cidade de São Paulo. Em suma, se a cidade São Paulo não tivesse tido menos assassinatos, a média nacional ficaria estacionada. Denis Mizne, um dos fundadores do movimento "Sou da Paz", acredita que, como as regiões metropolitanas sofrem há mais tempo com a violência, há maior envolvimento da comunidade na tentativa de solucionar o problema e pressão por maior eficiência policial. "Há uma série de bairros mais vulneráveis que estão conseguindo combinar repressão com prevenção, unindo os diferentes níveis de governo e a comunidade", diz. Já se viu o que significa a polícia trabalhar com um mapeamento mais preciso sobre o crime e, assim, atuar com menos desperdício. Esse ensaio de reação nas metrópoles e a novidade no mapa da barbárie brasileira mostram que, em alguns lugares, de tanto morrer se vai aprendendo a viver. PS - Como quanto mais precisos forem os dados, melhores serão as ações públicas, vale a pena prestar atenção num mapeamento inusitado na cidade de São Paulo, apresentado na sexta-feira passada e, justamente, inspirado no Infocrim, o sistema eletrônico de informação criminal criado para saber, rua a rua, onde está o crime. A partir de agora, é possível saber não só a situação de cada sala de aula das escolas municipais mas a de cada aluno. Levantei, por exemplo, as informações da escola mais próxima de casa. Foi possível saber que 15% dos estudantes acabam a segunda série sem saber ler, enquanto a média da região é de 11,8%, e a da cidade, de 14,6%. Comparei os dados com os de outra escola de uma região com perfil socioeconômico semelhante ao do meu bairro, cujo índice de analfabetismo naquela mesma faixa é de 5,1%; depois, tive acesso aos dados de uma escola que funciona dentro de uma favela, cuja taxa é de 19,2%. Está aqui uma das chaves da conquista de sociedades menos selvagens: a articulação das comunidades. Já se pode saber, pelo nome, quem está na oitava série com os conhecimentos apenas da sexta série. É algo que, se não ficar no papel -aliás, como fica a maioria das avaliações-, tornará possível focalizar esforços.
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