São Paulo, quarta-feira, 03 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

São até comestíveis

JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA

Se tudo for uma questão de gosto, estamos aqui num dilema. Será que as latas de bonito em conserva (mas descritas no rótulo como de "atum") estão ilegais? Do ponto de vista da lei brasileira, parece que sim. Se há uma legislação que especifica quais espécies podem ser chamadas "atum" no rótulo, o jeito é respeitá-la -mesmo que seja comum considerar o bonito entre os "tunideos". E, no entanto, do ponto de vista do gosto, estas marcas poderiam muito bem satisfazer a quem procura o atum (não o fresco, quando há diferenças mais marcantes entre as variedades, mas na sua variante ralada e em conserva).
O fato de ser em lata não é um crime gastronômico. Para novos-ricos da gastronomia pode parecer um horror comer enlatados, mas depende de qual enlatado. Feijoada em lata? Dá o que pensar... Mas pescados (ou mariscos, ou gansos) de regiões nobres, que encontram na lata uma forma de conservação para exportar seu sabor, são uma bênção do engenho humano.
Aliás, a norte-americana Julia Child -que, representada por Meryl Streep, está na moda graças ao filme "Julie & Julia" e a quem já conheci bem velha, mas não menos espevitada- execrava chefs modernos que faziam salada niçoise com atum fresco. Tem que ser em lata, dizia ela, pois o enlatado tem gosto diferente, e este é o gosto desta tradicional receita (nascida, curiosamente, na beira do mar Mediterrâneo, onde peixe fresco não era problema -mas justamente um local que, pela abundância e frescor do pescado, produz as conservas).
Apoio a vigilância da ProTeste, que neste caso alerta para um problema de informação que é sempre relevante -em alguns casos, eles escondem fraudes que inclusive comprometem a saúde do consumidor. Mas, depois de já ter almoçado regiamente, acabo de comer, por ordem da Redação, várias latas de atum em conserva e, ainda por cima, ralado. E, mesmo previamente superalimentado, quase incapaz de comer um grão de arroz que seja, e por isso tendente a rejeitar qualquer coisa, pude constatar que, melhores ou piores, as amostras enviadas são até comestíveis, sem gosto de lata e sem grandes defeitos de paladar.
Não chegam a ser aquelas grandes marcas enlatadas na borda do Mediterrâneo ou do Cantábrico e conservadas em azeite de oliva (orgânico!) -aqui elas vêm de nossos mares quentes e se conservam no óleo de soja. Mas se em vez de ralado trouxessem o peixe em pedaços, e reforçadas com um bom azeite, quem sabe seriam aprovadas até mesmo pela sábia Julia.


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