|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
São até comestíveis
JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA
Se tudo for uma questão de
gosto, estamos aqui num dilema. Será que as latas de bonito
em conserva (mas descritas no
rótulo como de "atum") estão
ilegais? Do ponto de vista da lei
brasileira, parece que sim. Se
há uma legislação que especifica quais espécies podem ser
chamadas "atum" no rótulo, o
jeito é respeitá-la -mesmo que
seja comum considerar o bonito entre os "tunideos". E, no entanto, do ponto de vista do gosto, estas marcas poderiam muito bem satisfazer a quem procura o atum (não o fresco,
quando há diferenças mais
marcantes entre as variedades,
mas na sua variante ralada e em
conserva).
O fato de ser em lata não é um
crime gastronômico. Para novos-ricos da gastronomia pode
parecer um horror comer enlatados, mas depende de qual
enlatado. Feijoada em lata? Dá
o que pensar... Mas pescados
(ou mariscos, ou gansos) de regiões nobres, que encontram
na lata uma forma de conservação para exportar seu sabor,
são uma bênção do engenho
humano.
Aliás, a norte-americana Julia Child -que, representada
por Meryl Streep, está na moda
graças ao filme "Julie & Julia" e
a quem já conheci bem velha,
mas não menos espevitada-
execrava chefs modernos que
faziam salada niçoise com
atum fresco. Tem que ser em
lata, dizia ela, pois o enlatado
tem gosto diferente, e este é o
gosto desta tradicional receita
(nascida, curiosamente, na beira do mar Mediterrâneo, onde
peixe fresco não era problema
-mas justamente um local que,
pela abundância e frescor do
pescado, produz as conservas).
Apoio a vigilância da ProTeste, que neste caso alerta para
um problema de informação
que é sempre relevante -em
alguns casos, eles escondem
fraudes que inclusive comprometem a saúde do consumidor.
Mas, depois de já ter almoçado
regiamente, acabo de comer,
por ordem da Redação, várias
latas de atum em conserva e,
ainda por cima, ralado. E, mesmo previamente superalimentado, quase incapaz de comer
um grão de arroz que seja, e por
isso tendente a rejeitar qualquer coisa, pude constatar que,
melhores ou piores, as amostras enviadas são até comestíveis, sem gosto de lata e sem
grandes defeitos de paladar.
Não chegam a ser aquelas
grandes marcas enlatadas na
borda do Mediterrâneo ou do
Cantábrico e conservadas em
azeite de oliva (orgânico!)
-aqui elas vêm de nossos mares quentes e se conservam no
óleo de soja. Mas se em vez de
ralado trouxessem o peixe em
pedaços, e reforçadas com um
bom azeite, quem sabe seriam
aprovadas até mesmo pela sábia Julia.
Texto Anterior: Outro lado: Procuradas, empresas não se manifestam Próximo Texto: Folião deve se vacinar contra meningite ao ir à BA Índice
|