São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Psicóloga foi demitida por não impor castigo aos menores da Febem; dois assessores entregaram cargos

Diretora cai por recusar "tranca coletiva"

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com 18 anos de atuação na área da infância e juventude, a psicóloga Elizete Aparecida Rossoni Miranda, 45, não chegou a completar um mês na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Foi demitida do cargo de diretora do complexo da Vila Maria (zona norte de São Paulo), um dos mais problemáticos da fundação, por se negar a cumprir medidas de segurança determinadas pela Febem, entre elas a chamada "tranca coletiva". Dois assessores também anunciaram a demissão em solidariedade.
Segundo Elizete, que assumiu o cargo no meio do projeto de reestruturação da Febem, as medidas de contenção e punição adotadas pela fundação contrariam o projeto pedagógico anunciado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB). Ela também reclama de falta de pessoal e estrutura (leia entrevista nesta página).
De acordo com a Febem, a psicóloga não se adaptou à nova realidade da instituição. A instituição informou que Elizete foi demitida por resistir a implantar medidas de segurança determinadas.
Para entidades que acompanhar a reestruturação na Febem, a demissão mostra o agravamento de um problema. "Não há uma sintonia entre a área da segurança e a área pedagógica, situação agravada agora com a separação das funções entre educadores sociais e agentes de segurança", afirmou Ariel de Castro Neves, do Movimento Nacional dos Direitos Humanos.
"Elizete é reconhecida por seu trabalho na área, e a sua demissão é lamentável. Ela estava tentando conquistar a confiança dos internos", disse Conceição Paganele, presidente da associação de mães.
O estopim para a saída de Elizete aconteceu anteontem, quando uma das unidades do complexo teve fuga de 39 internos. A ordem da Febem, segundo ela, era que que todos os internos da unidade fossem trancados.
Mas, segundo ela, não havia condições para isso. "Não havia ferrolhos e cadeados nem funcionários para fazer isso", disse. No final do dia, ela foi demitida. Ontem, internos de três unidades -duas não participaram da confusão- estavam trancafiados.
Desde que assumiu o cargo, Elizete diz que tenta evitar arbitrariedades na área da segurança. De acordo com ela, a tropa de choque da Polícia Militar tem sido chamada pelo setor de segurança sem sua permissão. "A entrada tem de ocorrer em casos excepcionais", afirmou.
Segundo ela, a Febem também contraria o regimento da instituição ao implantar a "tranca coletiva". Ela cita o parágrafo primeiro do artigo 21, que estabelece que as "sanções disciplinares respeitarão os direitos fundamentais e a individualização da conduta dos adolescentes, sendo vedadas as punições coletivas".
Para Elizete, além de contrariar o regimento, a "tranca coletiva" acaba influindo negativamente sobre o trabalho pedagógico. "É preciso ter disciplina sim. Mas como recuperar o projeto pedagógico depois de uma tranca coletiva na qual mesmo os que não cometeram erros foram punidos?"


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