São Paulo, terça-feira, 03 de abril de 2001

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ALTA-TENSÃO

A partir de laudo da USP, grupos do Alto de Pinheiros e da City Boaçava dizem que rede da Eletropaulo ameaça saúde

Risco de radiação leva moradores à Justiça

Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
Vista aérea da sub-estação de energia da Eletropaulo localizada na marginal Pinheiros, em São Paulo


SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Os moradores dos arborizados bairros de Alto de Pinheiros e City Boaçava (zona sudoeste) entraram em uma batalha judicial contra a Eletropaulo com o objetivo de retirar a rede de cabos de alta-tensão que corta os bairros.
A acusação é que o campo eletromagnético formado pelos cabos, que ligam as subestações Bandeirantes e Pirituba, emite radiação dez vezes superior ao nível adotado em países desenvolvidos, como a Itália e a Suíça.
O caso poderá render uma decisão judicial inédita no Brasil, já que os malefícios à saúde provocados por essa radiação ainda não têm consenso científico no país nem posição oficial do governo.
A questão é regida por uma resolução da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), considerada defasada pelos pesquisadores brasileiros.
No início do mês passado, uma comissão especial do governo britânico apresentou relatório concluindo que as crianças moradoras das proximidades de redes elétricas correm mais risco de desenvolver leucemia.
As ações judiciais contra a Eletropaulo foram apresentadas pela Saap (Sociedade Amigos do Alto de Pinheiros) e pela SAB (Sociedade Amigos do Boaçava), no dia 1º do mês passado.

Exame
Apesar de entrarem com ações separadamente, as duas associações encomendaram exame do IEE/USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo), que mediu a radiação do local e constatou estar dez vezes acima do recomendado.
O relatório final do IEE ressalta que a medição da radiação no local onde passa a rede da concessionária foi feita no período da tarde, "e o campo magnético torna-se mais intenso à noite, uma vez que nesse período é maior a corrente elétrica".
O documento se refere ao fato de as concessionárias costumarem aumentar a carga de energia transportada à noite.
O que motivou as ações judiciais dos moradores foi a suposta decisão da Eletropaulo, segundo eles, de aumentar a carga de energia transportada nessa rede -de 88 mil volts para 138 mil volts-, o que poderá tornar a radiação, de acordo com o IEE, cem vezes mais forte. A partir disso, os advogados das associações entraram com pedido de liminar para paralisar as obras da empresa, que incluem a mudança da estrutura que sustenta os fios de alta-tensão.
O juiz da 20ª Vara Civil do Fórum da Capital, José Antônio Haick, que julga a ação da SAB, decidiu favoravelmente à paralisação. Mas a concessionária entrou com recurso e conseguiu derrubar a liminar.
O juiz da 1ª Vara, onde tramita a ação da Saap, decidiu solicitar posicionamento do Ministério Público, que tem promotorias especializadas sobre o assunto, a respeito da radiação dos campos eletromagnéticos.
"Se deixarmos concluir as obras para aumentar a carga, a Eletropaulo poderá alegar que diminuir a tensão implicará prejuízo, e, sendo uma concessionária de serviço público, isso poderá sensibilizar os juízes", diz o arquiteto Paulo Bastos, da Saap.
Segundo o engenheiro eletricista Aristheu Amaral Rosa, que assina o estudo do IEE/USP, o problema dos campos eletromagnéticos poderia ser resolvido caso os cabos de alta tensão fossem enterrados. Isso poderia ser feito a qualquer profundidade, já que os cabos usados, nesse caso, são blindados. "Mas essa solução encarece demais o serviço", afirma.
Morador do Alto de Pinheiros, o advogado Fábio Konder Comparato, 64, afirma que, no cômodo dos fundos de sua casa, próximo à rede, o computador não funciona devido à interferência do campo eletromagnético.
"Chega a ser curioso de ver. Aqui, se você colocar uma bateria de carro no chão, perto das torres, ela carrega sozinha", diz.
Comparato afirma que sua mulher se acidentou e teve de ser acomodada no quarto dos fundos, pela facilidade de locomoção que oferecia. "Ela ficou meses lá, e, não sei se posso associar ou não, mas o fato é que desenvolveu um câncer após esse período de convalescença", afirma.
Segundo o advogado, a Saap negociava havia seis meses, com a Eletropaulo, uma solução para o problema dos cabos de alta-tensão. "É difícil prever qual será o resultado, porque esse é um assunto relativamente novo. Os juízes costumam se alinhar à opinião pública, e não sabemos como isso irá repercutir", disse.
O parecer do juiz José Antônio Haick, aceitando a liminar da SAB, afirma: "Com efeito, a documentação em si abortada aos autos (relatório do IEE) evidenciou a possibilidade (...) de risco à saúde e à vida dos moradores do bairro Boaçava".
Comparato diz que a Eletropaulo subestima a capacidade dos moradores (de alto poder aquisitivo) daquela região de se mobilizarem contra a concessionária. "Isso ocorre também na periferia, talvez de maneira até pior. Conosco talvez tenha sido mais difícil trabalhar", afirma o advogado.


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