|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Ricos x pobres
Esperar, seja pelo que for: a
pior coisa do mundo, pelo
menos para os ansiosos. E quem
não é?
A gente passa a vida esperando:
pelo trabalho que vai pintar, pelas férias que vão chegar, pela árvore que vai crescer, pelo sinal
que demora a abrir, pela hora
que o filme vai começar; só se faz
esperar.
Rico espera menos; são os outros que esperam por eles. Para
começar, rico mal sai: em casa
vêm a manicure, o cabeleireiro, o
médico, e ouvi contar -faz tempo- de uma mulher tão rica,
mas tão rica, que montou um
consultório de dentista em casa,
para não ter que sair -e esperar.
Ricos modernos têm academia de
ginástica em casa (no mínimo
uma esteira), quando vão passar
o fim de semana fora alugam um
helicóptero, para não pegar engarrafamento, não têm dinheiro
no bolso e jamais, jamais, enfrentam uma fila. Quando vão fazer
uma viagem longa, um secretário
vai para o aeroporto antes com as
malas, o passaporte e a passagem,
para evitar o check-in. Isso os menos ricos, que não têm seu próprio
jatinho. Sinceramente: tem coisa
melhor?
Tudo o que eles querem, têm -
e na hora. Se for uma roupa nova
para usar naquela noite, é só telefonar e a vendedora leva malas e
malas em casa, mais sapatos, bolsas e bijuterias (jóias de verdade,
não precisa nem falar).
E -felicidade suprema-
quando querem falar com alguém, tem sempre uma secretária
que liga, se o telefone estiver ocupado continua ligando, e se a pessoa com quem querem falar está
em outra linha, elas só passam a
ligação quando a outra diz alô.
Muito bom, ser rico.
Mas nem tudo é assim tão bom
na vida de rico. Rico só se dá com
rico, por medo de que um menos
rico queira tirar algum proveito
de sua riqueza. Eles só conhecem
um grupo pequeno de pessoas, e
dificilmente têm a chance de encontrar alguém diferente, que
pense diferente, que viva diferente. Rico só freqüenta os mesmos
lugares, só viaja para as mesmas
cidades, só fica nos mesmos hotéis, e, quando acontece de quererem uma aventura, se cercam de
todos os cuidados e pedem informações a seus amigos -ricos,
claro- para onde devem ir.
O que raramente acontece na
vida dos ricos é o inesperado. Se o
avião atrasar, ele ir para o bar do
aeroporto, sentar numa mesa
junto com outras pessoas e conversar. Conversar e tomar conhecimento de que existe um mundo
diferente, mas que, exatamente
por isso, quando acontece uma
coisa boa -por mais boba que
seja-, as pessoas riem e ficam
muito alegres. Quando conseguem passar duas semanas numa
praia é uma felicidade, e um prato de camarões fritos com uma
cerveja bem gelada dá a eles mais
prazer do que a mais fina iguaria
feita pelo mais estrelado dos chefs,
acompanhada do mais raro dos
vinhos. Para os ricos, que tem isso
todo dia, qual a graça?
Por isso alguns ricos estão agora
brincando de ser pobres. Passam
o fim de semana numa praia
-meio deserta, também não vamos exagerar- com uma bermuda velha, uma camiseta rasgada, de pé no chão; conversam com
os pescadores e aproveitam a Bolsa de Valores estar fechada para
não terem que pensar se as ações
vão subir ou descer.
E gozam a vida como se fossem
pobres, pelo menos dois dias por
semana, até que chegue o helicóptero para levá-los de volta à dura
realidade.
Texto Anterior: Opinião: Impunidade é mola propulsora do crime Próximo Texto: Atmosfera Índice
|