São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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DANUZA LEÃO

Ricos x pobres

Esperar, seja pelo que for: a pior coisa do mundo, pelo menos para os ansiosos. E quem não é?
A gente passa a vida esperando: pelo trabalho que vai pintar, pelas férias que vão chegar, pela árvore que vai crescer, pelo sinal que demora a abrir, pela hora que o filme vai começar; só se faz esperar.
Rico espera menos; são os outros que esperam por eles. Para começar, rico mal sai: em casa vêm a manicure, o cabeleireiro, o médico, e ouvi contar -faz tempo- de uma mulher tão rica, mas tão rica, que montou um consultório de dentista em casa, para não ter que sair -e esperar. Ricos modernos têm academia de ginástica em casa (no mínimo uma esteira), quando vão passar o fim de semana fora alugam um helicóptero, para não pegar engarrafamento, não têm dinheiro no bolso e jamais, jamais, enfrentam uma fila. Quando vão fazer uma viagem longa, um secretário vai para o aeroporto antes com as malas, o passaporte e a passagem, para evitar o check-in. Isso os menos ricos, que não têm seu próprio jatinho. Sinceramente: tem coisa melhor?
Tudo o que eles querem, têm - e na hora. Se for uma roupa nova para usar naquela noite, é só telefonar e a vendedora leva malas e malas em casa, mais sapatos, bolsas e bijuterias (jóias de verdade, não precisa nem falar).
E -felicidade suprema- quando querem falar com alguém, tem sempre uma secretária que liga, se o telefone estiver ocupado continua ligando, e se a pessoa com quem querem falar está em outra linha, elas só passam a ligação quando a outra diz alô. Muito bom, ser rico.
Mas nem tudo é assim tão bom na vida de rico. Rico só se dá com rico, por medo de que um menos rico queira tirar algum proveito de sua riqueza. Eles só conhecem um grupo pequeno de pessoas, e dificilmente têm a chance de encontrar alguém diferente, que pense diferente, que viva diferente. Rico só freqüenta os mesmos lugares, só viaja para as mesmas cidades, só fica nos mesmos hotéis, e, quando acontece de quererem uma aventura, se cercam de todos os cuidados e pedem informações a seus amigos -ricos, claro- para onde devem ir.
O que raramente acontece na vida dos ricos é o inesperado. Se o avião atrasar, ele ir para o bar do aeroporto, sentar numa mesa junto com outras pessoas e conversar. Conversar e tomar conhecimento de que existe um mundo diferente, mas que, exatamente por isso, quando acontece uma coisa boa -por mais boba que seja-, as pessoas riem e ficam muito alegres. Quando conseguem passar duas semanas numa praia é uma felicidade, e um prato de camarões fritos com uma cerveja bem gelada dá a eles mais prazer do que a mais fina iguaria feita pelo mais estrelado dos chefs, acompanhada do mais raro dos vinhos. Para os ricos, que tem isso todo dia, qual a graça?
Por isso alguns ricos estão agora brincando de ser pobres. Passam o fim de semana numa praia -meio deserta, também não vamos exagerar- com uma bermuda velha, uma camiseta rasgada, de pé no chão; conversam com os pescadores e aproveitam a Bolsa de Valores estar fechada para não terem que pensar se as ações vão subir ou descer.
E gozam a vida como se fossem pobres, pelo menos dois dias por semana, até que chegue o helicóptero para levá-los de volta à dura realidade.


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