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OPINIÃO
Impunidade é mola propulsora do crime
HÉLIO BICUDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil, que vai caminhando
para sua emancipação econômica, apresentando índices invejáveis de crescimento, esbarra no
reconhecimento e implementação dos direitos humanos, com
mais uma chacina a contabilizar.
Grupos de extermínio agem,
pode-se dizer, impunemente no
território nacional. E as chacinas
acontecem cada vez com maior
desenvoltura. Quando sensibilizam as autoridades governamentais, os procedimentos investigativos não conseguem chegar a
uma conclusão, sequer, satisfatória, e as provas, esmaecidas pelo
tempo e deterioradas pelo poder
corporativo das polícias -pois,
na sua maioria, as eliminações
maciças contam com a atuação de
policiais militares e/ou civis-,
não conseguem convencer da verdade dos fatos os julgadores, sejam juízes singulares, sejam corpos de jurados.
Na verdade, a impunidade se
constitui na mola propulsora desses crimes.
Quem não se lembra de Vigário
Geral, da Candelária, do Carandiru, de Corumbiara, de Eldorado
dos Carajás e, mais recentemente,
da Castelinho, esta última a constituir-se na maior farsa em que se
envolveu a polícia paulista!
Quem foi condenado?
Agora, temos aí a matança de
Nova Iguaçu e Queimados, na
noite da última quinta-feira, com
30 vítimas a lamentar e que, segundo as próprias autoridades da
Secretaria de Segurança do Rio,
podem ter o envolvimento de policiais militares, como represália
da prisão de oito PMs suspeitos
de duplo assassinato.
De perguntar-se quais serão os
órgãos que serão incumbidos das
investigações. O ministro da Justiça se propõe a ajudar, pondo a Polícia Federal à disposição do governo do Rio.
Mas, sem dúvida, não é o caso
de oferecer auxílio, mas de atuar
rapidamente, nos termos da lei
10.446, de 8 de maio de 2002, que
autoriza o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça a proceder a investigações de
infrações penais relativas à violação de direitos humanos, que a
República Federativa do Brasil se
comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte (artigo 1º e
inciso 3º, da lei mencionada).
Além disso, temos hoje o disposto no artigo 109, parágrafo 5º,
da Constituição Federal, a permitir o deslocamento da competência, nessas hipóteses, para a Justiça Federal.
Mas é preciso evitar, ao contrário do que vem acontecendo, que
um excesso de timidez por parte
do Ministério Público e do Poder
Judiciário em adotar medidas que
a urgência aconselha venha a prejudicar a tomada de medidas que
a urgência e a gravidade dos fatos
aconselham.
A burocratização que, lamentavelmente, já vem tomando corpo
das providências que a norma
constitucional determina, com a
prévia audiência das "partes interessadas" para só depois adotarem-se as providências que se podem perder, dadas as peculiaridades de investigações que objetivam apurar ações de órgãos de segurança do próprio Estado.
As duas providências se completam, primeiro com a atuação
urgente do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, nos termos da lei 10.446/02,
para as primeiras e decisivas operações e, ao mesmo tempo, com o
deslocamento de competência da
Justiça Estadual para a Federal.
Tudo sem maiores delongas, pois
mais uma vez está em jogo o princípio da seriedade e da eficiência
no deslinde de fatos que violam
direitos fundamentais, para que
se alcance a punição dos culpados.
Não bastam as leis -que aí estão. É de mister que haja uma
ação coordenada, sem delongas,
para que seja cumprida a sua finalidade na luta contra a impunidade, mola da violência que vem alcançando a sociedade brasileira
em maré constante.
Hélio Bicudo é presidente da Fundação
Interamericana de Defesa dos Direitos
Humanos
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