São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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OPINIÃO

Impunidade é mola propulsora do crime

HÉLIO BICUDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Brasil, que vai caminhando para sua emancipação econômica, apresentando índices invejáveis de crescimento, esbarra no reconhecimento e implementação dos direitos humanos, com mais uma chacina a contabilizar.
Grupos de extermínio agem, pode-se dizer, impunemente no território nacional. E as chacinas acontecem cada vez com maior desenvoltura. Quando sensibilizam as autoridades governamentais, os procedimentos investigativos não conseguem chegar a uma conclusão, sequer, satisfatória, e as provas, esmaecidas pelo tempo e deterioradas pelo poder corporativo das polícias -pois, na sua maioria, as eliminações maciças contam com a atuação de policiais militares e/ou civis-, não conseguem convencer da verdade dos fatos os julgadores, sejam juízes singulares, sejam corpos de jurados.
Na verdade, a impunidade se constitui na mola propulsora desses crimes.
Quem não se lembra de Vigário Geral, da Candelária, do Carandiru, de Corumbiara, de Eldorado dos Carajás e, mais recentemente, da Castelinho, esta última a constituir-se na maior farsa em que se envolveu a polícia paulista!
Quem foi condenado?
Agora, temos aí a matança de Nova Iguaçu e Queimados, na noite da última quinta-feira, com 30 vítimas a lamentar e que, segundo as próprias autoridades da Secretaria de Segurança do Rio, podem ter o envolvimento de policiais militares, como represália da prisão de oito PMs suspeitos de duplo assassinato.
De perguntar-se quais serão os órgãos que serão incumbidos das investigações. O ministro da Justiça se propõe a ajudar, pondo a Polícia Federal à disposição do governo do Rio.
Mas, sem dúvida, não é o caso de oferecer auxílio, mas de atuar rapidamente, nos termos da lei 10.446, de 8 de maio de 2002, que autoriza o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça a proceder a investigações de infrações penais relativas à violação de direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte (artigo 1º e inciso 3º, da lei mencionada).
Além disso, temos hoje o disposto no artigo 109, parágrafo 5º, da Constituição Federal, a permitir o deslocamento da competência, nessas hipóteses, para a Justiça Federal.
Mas é preciso evitar, ao contrário do que vem acontecendo, que um excesso de timidez por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário em adotar medidas que a urgência aconselha venha a prejudicar a tomada de medidas que a urgência e a gravidade dos fatos aconselham.
A burocratização que, lamentavelmente, já vem tomando corpo das providências que a norma constitucional determina, com a prévia audiência das "partes interessadas" para só depois adotarem-se as providências que se podem perder, dadas as peculiaridades de investigações que objetivam apurar ações de órgãos de segurança do próprio Estado.
As duas providências se completam, primeiro com a atuação urgente do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, nos termos da lei 10.446/02, para as primeiras e decisivas operações e, ao mesmo tempo, com o deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Federal. Tudo sem maiores delongas, pois mais uma vez está em jogo o princípio da seriedade e da eficiência no deslinde de fatos que violam direitos fundamentais, para que se alcance a punição dos culpados.
Não bastam as leis -que aí estão. É de mister que haja uma ação coordenada, sem delongas, para que seja cumprida a sua finalidade na luta contra a impunidade, mola da violência que vem alcançando a sociedade brasileira em maré constante.


Hélio Bicudo é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos

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