São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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URBANISMO

Especialistas em mobilidade urbana dizem faltar equipamentos, como cafés ao ar livre, que estimulem a apreciação do Vale

Para franceses, Anhangabaú não é amigável

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Vale do Anhangabaú, manhã de sol. Rodeado pelos prédios históricos como o Teatro Municipal, um trio de franceses admira o local. Mas uma coisa chama a atenção dos visitantes: além deles, são poucos os que param no local. A maioria apenas passa apressada.
"Aqui deveria haver um café com mesas ao ar livre, brinquedos para as crianças, algo que estimulasse as pessoas a se apropriarem do local", afirma Mireille Apel-Muller. O comentário não vem de um grupo de turistas. Mireille, Francis Rambert e Marie-Hélène Massot são especialistas em um tema cada vez mais caro às grandes cidades: a mobilidade urbana -que não aborda apenas a velocidade com que se vai de um ponto a outro, mas também a harmonia entre os veículos e o entorno, o conforto durante o trajeto e, até, o direito de passear num calçadão.
A convite da Folha, eles visitaram quatro pontos do centro, que serviram de base para discussão.
O tema foi abordado num encontro realizado na semana passada em São Paulo pela seção brasileira da organização francesa IVM (Instituto Cidade em Movimento). Mireille Apel-Muller é a coordenadora geral da entidade. Francis Rambert dirige o instituto francês de arquitetura e Marie-Hélène Massot é diretora do instituto francês de pesquisa sobre transporte e segurança.
A visita começou pelo Anhangabaú. "A composição arquitetônica do vale é ótima. Mas é um espaço mais voltado à circulação. Para criar um lugar público que propicie o encontro, é preciso equipá-lo para isso. Aqui não há muitos lugares onde as pessoas possam parar", diz Marie-Hélène.
Alvo de atenções apenas quando é interditado devido a chuvas, o túnel que passa sob o vale do Anhangabaú também instigou os visitantes. "Parece que a qualificação da superfície não ocorreu no subsolo. Não se deve tratar [o túnel] como um espaço só funcional, técnico. A tendência mundial é mostrar que não existe um lugar menor, que não mereça atenção. Tudo na cidade merece um cuidado estético", diz Rambert.
Beleza é uma das últimas palavras em que se pensa diante do elevado Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão. Construído em 1971, o viaduto é associado à supremacia do carro na cidade. "Nos anos 60, a idéia era separar tudo -carro, pedestre. Hoje, o conceito é o da integração: os espaços públicos devem misturar os usos", diz o arquiteto.
Outro problema dos viadutos é a degradação das áreas que ficam abaixo deles, geralmente inutilizadas, afirma Mireille. No evento, um dos projetos apresentados chamava a atenção por valorizar um desses espaços: o escritório ficava "pendurado" num viaduto.
Em Boston, nos EUA, um viaduto que existia no centro da cidade foi parcialmente destruído em 2002. A cidade está construindo uma rede subterrânea de ruas. Em Barcelona, a opção adotada é mais barata: vias expressas que ficam semi-enterradas.
A estação da Sé foi apontada por Francis como um bom exemplo de valorização do subsolo, devido à boa iluminação e ventilação do local, além do jardim.
Mas, para Marie-Hélène, falta à estação uma integração direta com outros meios de transporte. A presença de um estacionamento, por exemplo, poderia fazer alguns motoristas dividirem seu trajeto entre o carro e o metrô. Além disso, a adoção de um bilhete único é fundamental, diz ela. "É um custo alto, mas que deve ser assumido, pois tem um grande reflexo na vida do usuário."
No início deste mês, o governo estadual decidiu revogar a licitação do Metropass, cartão que seria usado no metrô e nos trens.
No ano passado, a cidade adotou o bilhete único para os ônibus, que também ganharam corredores exclusivos. A adoção dos corredores de ônibus é positiva por promover um deslocamento rápido a um custo menor que o do metrô, dizem os especialistas. A ressalva é quanto ao risco de acidentes. "O pedestre precisa de opções seguras para atravessar as pistas", diz Mireille.


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