São Paulo, quinta-feira, 03 de maio de 2007

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PASQUALE CIPRO NETO

"Haja vista o que ocorreu..."

Existem as expressões "haja visto" e "haja vista", mas é bom saber que a primeira é bem diferente da segunda

NA SEMANA passada, analisei alguns casos do emprego do verbo "haver". O mote foi uma declaração de um magistrado ("É necessário que hajam provas..."). Numa passagem do texto, escrevi isto: "Quando se sai desse tempo verbal, a coisa se complica, haja vista o que ocorreu na frase...".
Muitos leitores escreveram para perguntar sobre a expressão "haja vista". Alguns chegaram a questionar a legitimidade da construção: "Sempre ouvi dizer que não existe "haja vista", que só se emprega "haja visto", em qualquer situação". De início, é preciso dizer que existem as expressões "haja visto" e "haja vista", que são bem diferentes. A primeira ("haja visto") é uma locução verbal formada pela primeira ou terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo do verbo "haver" ("haja") e pelo particípio do verbo "ver" ("visto"): "Eles esperam que eu haja visto o relatório"; "Suponho que ela haja visto o filme". Se alguém diz isso hoje em dia, é outra coisa, mas é incontestável a existência dessas construções em certos registros da língua.
Hoje, na linguagem corrente, é mais comum o uso de "tenha" nos exemplos vistos ("Eles esperam que eu tenha lido..."; "Suponho que ela tenha visto..."), embora em outros tempos verbais não seja nada insólito o registro de "haver" ao lado de um particípio ("Nenhum dos alunos havia lido as obras"). Passemos à expressão formada por uma flexão de "haver" e pelo substantivo "vista". Destacam-se três dos diversos usos dessa locução. O primeiro (e mais simples) consiste no emprego puro e simples de "haja vista" como expressão invariável, qualquer que seja o elemento a que se refira: "Jogar contra o Milan em Milão não é nada fácil, haja vista os resultados das últimas partidas lá realizadas"; "O desempenho dos estudantes brasileiros vai de mal a pior, haja vista as avaliações divulgadas recentemente por diversos organismos".
Vejamos agora os outros dois usos. Um deles consiste em empregar o verbo "haver" como variável, caso em que passa a significar algo como "receber", "ser alvo de": "Jogar contra o Milan em Milão não é nada fácil, hajam vista os resultados das últimas partidas..."; "O desempenho dos estudantes brasileiros vai de mal a pior, hajam vista as avaliações divulgadas recentemente por diversos organismos". Em "hajam vista os resultados/as avaliações", tem-se algo semelhante a "recebam ("sejam alvo de') vista ("exame/análise/observação') os resultados/as avaliações".
Por fim, o terceiro uso, quase restrito à linguagem erudita. Consiste no emprego do verbo "haver" como invariável ("haja", que equivale a algo como "ocorra"), mas com o substantivo "vista" a reger a preposição "a": "Jogar contra o Milan em Milão não é (...), haja vista aos resultados das últimas..."; "O desempenho dos estudantes (...), haja vista às últimas avaliações...". No segundo e no terceiro uso, fica implícito algo como "basta que" ("...basta que hajam/recebam vista os resultados/as avaliações"; "...basta que haja/ocorra vista aos resultados/às avaliações").
O prezado leitor notou que, no último exemplo, surgiu um acento grave ("haja vista às últimas avaliações")? É por essas e outras que muita gente prefere a expressão "haja vista", fixa, invariável. Mas, cá entre nós, ninguém morre por conhecer outras opções. É isso.

inculta@uol.com.br


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