São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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WALTER CENEVIVA

Crime no combate ao crime


O advogado age segundo os limites da consciência, não sendo aceitável que se associe com o criminoso


A PLENITUDE CONSTITUCIONAL do direito de defesa tem alguma compreensão da sociedade tanto na área cível quanto na comercial. As discordâncias limitam-se às sentenças desfavoráveis, no todo ou em parte, salvo quanto à demora do resultado, em que há uma certa unanimidade contrária.
Porém, a solução judicial, no crime, detona posições opostas. Vão desde os que, a cada delito, sugerem ser "preciso matar essa gente", e, no extremo oposto, os que sustentam a necessidade do julgamento justo, com plena defesa, mesmo para criminosos confessos. Estou nesta última categoria.
O assunto vem à baila ante a discussão sobre a instalação de equipamentos de som e imagem para a gravação de conversas de acusados, recolhidos às prisões do Estado, com seus advogados.
Os favoráveis à escuta de tudo o que o preso disser ao advogado ofendem o direito de um e do outro. Restringem o exercício da função profissional e sacrificam o direito do acusado preso ao se abrir com quem o defende. O leitor pode perguntar: se ele confessou o delito, que diferença fará? Toda, pois o direito à defesa sem intromissões é fundamental, senão para sustentar a inocência, ao menos para que a pena não venha a ser agravada, porque aspectos favoráveis foram abandonados ou impedidos.
A gravação facilitará a tarefa dos órgãos estatais (da polícia e da acusação). Romperá, contudo, o equilíbrio assegurado ao contraditório, afirmado pela Constituição.
Os defensores da escuta não veem nela qualquer ofensa ao direito do acusado, pois só leva à condenação daquele que admitiu a culpa. Ofende sim, porque a Administração Pública tem todos os meios para a apuração -pessoal, técnicos e os recursos necessários, científicos e de outra natureza. Se não os utilizar adequadamente a culpa não é do acusado.
Lembremos que há séculos se firmou a convicção de que, nas situações duvidosas, a decisão deve ser favorável ao réu.
Dizem outros que o advogado se transforma em cúmplice do criminoso quando, ao saber de sua culpabilidade no delito, ainda o defende, até inventado desculpas falsas.
O advogado age segundo os limites de sua consciência, não sendo aceitável que, sob desculpa da defesa, se associe com o criminoso, nos próprios atos da delinquência.
Não esqueçamos, porém, que a polícia e a acusação muitas vezes ultrapassam os limites da lei. Lembro a circunstância mas, independente dela, a defesa é sempre mais complicada que a acusação. O advogado raramente tem a mesma disponibilidade de meios que o Poder Público.
Na China e na velha União Soviética, em períodos exacerbados da perseguição política, com preponderância do Estado sobre o indivíduo, chegou-se a negar que o acusado tivesse necessidade de advogado, repetindo situações que foram comuns na Idade Média.
São coisas do passado, tanto que na oração "Salve Rainha", do cristianismo, a invocação da mãe de Jesus Cristo enuncia: "Eia, pois, advogada nossa...""
Quem pense em direito, tem de reconhecer o contraditório entre aquele que pede alguma coisa ao juiz e quem sustenta o direito oposto. Cabe dizer, sem exagero, que a restrição aos direitos do acusado no processo criminal, além de ofender a Constituição, termina levando ao crescimento dos crimes no combate ao crime.


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