São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005

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EXCLUSÃO SOCIAL

Prefeitura recolheu equipamentos que serviam de abrigo para moradores de rua sem a presença de assistentes sociais

Sem "casa de boneca", criança fica na rua

Marlene Bergamo/Folha Imagem
O menino I., uma das crianças que estavam abrigadas em uma casinha de madeira perto do shopping Tatuapé, na zona leste de São Paulo


AFRA BALAZINA
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

A gestão José Serra (PSDB) recolheu ontem as pequenas casas azuis de madeira, com um metro e meio de altura, que viraram abrigo para moradores de rua de São Paulo. A ação, porém, foi feita sem a presença de assistentes sociais, e os moradores do local, três crianças, foram deixados na rua.
O equipamento, que lembra casinhas de boneca ou de cães, foi instalado no domingo pela Associação Casa da Criança de Nossa Senhora Aparecida. Antes disso, as crianças dormiam na rua.
Segundo o próprio secretário municipal da Assistência e Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, a Subprefeitura da Mooca tirou as duas casinhas, perto do shopping Tatuapé (zona leste), na hora do almoço e só depois as assistentes sociais foram ao local. Mas os garotos já não estavam lá.
O subprefeito da Mooca, Walter Bellintani, admitiu que houve um erro e diz que irá apurar por que assistentes não estavam no local para levar os meninos a um abrigo. Mas diz que a ação era necessária porque havia uma ocupação irregular do espaço público.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, que mostrou ontem a procura de moradores de rua pelas casinhas, a situação expõe a situação dessa população.

Sem assistência
Até o início da noite, as crianças não haviam recebido nenhum tipo de atendimento da prefeitura. Após as 18h, a assessoria do prefeito perguntou à reportagem onde poderia encontrá-las.
À tarde, as crianças foram para a associação que cedeu as moradias. "Vou ter de procurar outro lugar para elas ficarem", disse a presidente da entidade, Lusia Lopes da Silva. Ela diz que não voltará, por enquanto, a instalar as casinhas. A intenção era colocá-las na Sé e na República.
"A ação da prefeitura foi emblemática: eles retiraram as casas sem se importar com as pessoas. Não respeitaram o sentimento de proteção que as casinhas tinham para as crianças", diz o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor.
"A retirada não poderia ser tão abrupta. Era preciso o acompanhamento de psicólogos ou assistentes sociais para trabalhar essa questão com as crianças, mostrar que uma casa precisa ter banheiro, por exemplo", afirma ele.
Segundo os meninos I. e L., ambos de 13 anos, por volta das 10h de ontem "muitos homens da prefeitura" chegaram ao local.
"A gente correu para dentro da casinha e pediu para levarem a gente junto. Mas o "tio" mandou a gente sair", disse um deles. "Enquanto eles levavam as casinhas, começamos a jogar um monte de pedras neles", disse I.
De acordo com eles, a ação foi violenta. "Um dos homens apertou meu braço forte para eu largar a pedra", conta L., apontando um pequeno machucado no braço esquerdo. Os dois dizem ter chorado muito. "É claro que eu vou chorar. A casinha era boa, tinha colchão e cobertor, cabiam até três pessoas apertadas", diz I.
A associação não sabia o que fazer com os meninos. Ontem, eles dormiram na casa de bonecas que fica na entrada, do lado de dentro do portão da associação. Mas foi uma situação improvisada, já que não há funcionários que fiquem no local nesse horário.
O subprefeito disse que irá apurar a acusação de que a retirada foi feita de forma violenta. A Folha tentou ouvir o prefeito ontem à tarde, mas sua assessoria informou que o secretário Pesaro é que deveria falar sobre o caso.

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