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URBANIDADE
Meninas da esquina
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Eliane Trindade tinha
muitas dores a confidenciar aos seus diários. A família
começou a desmoronar quando
sua mãe, paraplégica, teve de
deixar, com as duas filhas, Jaguaquara, cidade baiana de 20
mil habitantes, para se tratar em
Brasília. Por questões financeiras, o pai não pôde acompanhá-las. "Como gostava de escrever,
sempre ia tomando notas sobre o
que via e sentia." Essa combinação de dores e diários serviu como inspiração para uma experiência editorial, cujo resultado
será lançado neste mês.
Eliane se tornou jornalista e,
depois de morar em Brasília,
mudou-se para São Paulo, onde
começou a trabalhar na revista
"IstoÉ Gente". Há três anos, teve
a idéia de escrever uma reportagem sobre a exploração sexual
de meninas. "Senti que todo
aquele material só cabia num livro."
Preferiu, porém, virar co-autora. Convidou seis adolescentes a
contarem suas histórias em estilo de diário. Nos encontros com
elas, Eliane dava dicas sobre como escrever os textos e lia diários
juvenis famosos como o de Anne
Frank, a menina que viveu num
porão, escondida dos nazistas.
"Elas tinham de aprender a separar a realidade da fantasia."
Não era fácil.
Uma delas começou a se prostituir aos nove anos de idade,
abusada por familiares. Há relatos sobre envolvimento com redes de traficantes de drogas,
acertos com policiais ou as mais
variadas formas de humilhação
sexual. A rotina era a violência e
o anonimato.
Dessa experiência de múltiplos
diários, nasceu "Meninas da Esquina". "Nunca tive contato
com tanta vulnerabilidade."
Comparado ao que ocorreu em
sua vida, Eliane até que se sentiu, olhando agora, razoavelmente protegida mesmo quando
sua família desmoronou.
Durante a elaboração dos textos, Eliane ia se surpreendendo
com a sensibilidade das meninas. Certa vez levou uma das autoras, Natasha, que nunca tinha
entrado num museu, ao Masp.
Diante de um quadro de Antônio Peticov em que aparece uma
escada rumo ao céu, Natasha se
projetou na obra: "É assim que
me sinto nesses dias. Olho pro
céu e peço para sumir deste
mundo e esquecer meus problemas".
São autoras, mas não é desta
vez que as meninas sairão do
anonimato. Como ainda são exploradas sexualmente ou não tiveram a coragem de expor as
verdadeiras identidades, optaram por proteger-se em nomes
inventados.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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