|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Queria que tivessem levado a gente junto"
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu tô revoltado", esbraveja I.,
13. O garoto dormiu durante duas
noites numa "casinha de bonecas" instalada no Tatuapé, no último domingo, pela Associação Casa da Criança de Nossa Senhora
Aparecida para abrigar crianças
em situação de rua. O motivo da
revolta dele? Sua "casinha" havia
sido retirada do local ontem.
"A nossa casinha era "da hora".
Quando chove, lá dentro não molha. Quando faz frio, lá dentro não
venta. E ainda tem travesseiro e
coberta pra gente dormir", explica. "Queria que tivessem levado a
gente junto com a casinha", afirma L., 13, que dividia com I. uma
das casinhas levadas ontem pelos
funcionários da subprefeitura.
Os meninos, que se chamam de
"parceiros", dizem morar na rua
há mais ou menos três meses. "A
gente dorme na praça Sílvio Romero. Mas tem muita gente de lá e
do shopping Tatuapé que implica
com a gente", conta I.
I. diz ter fugido de casa porque
"apanhava muito" do pai. "Tem
outras coisas muito tristes e ruins
que aconteciam lá na minha casa,
mas não quero falar disso. Só posso dizer que gosto mil vezes mais
de ficar na rua do que na casa dos
meus pais", afirma.
Seu "parceiro" L., que também
diz ter 13 anos, conta que a mãe
morreu e o pai está preso. E afirma que o padrasto batia nele "de
vara e de cinto até [ele] não conseguir mais andar de tanta dor".
"Quando as "tias" [da Associação Casa da Criança de Nossa Senhora Aparecida] falaram que
iam trazer uma casinha pra gente,
achei que era mentira. Mas aí,
uma semana depois, elas apareceram com duas casinhas bonitinhas", diz I., que descreve sua ex-morada como "uma linda casinha
azul por fora e branca por dentro". "Mas tudo que é bom dura
pouco e tudo que é ruim permanece. A vida já me ensinou isso. E,
agora, sem a casinha, vai ser um
terror de novo."
Tanto I. como L. dizem já ter
freqüentado a escola, mas mal
passam pelo teste da escrita do
próprio nome. Ainda assim, mantêm a esperança de um futuro
longe das ruas e dos furtos em supermercados que admitem cometer. L. quer "fundar uma escola,
ter uma casa e uma bicicleta". I.
sonha em integrar a Força Aérea
Brasileira -para "defender o
meu país dos inimigos", diz ele.
Outro menino G., também de
13, dividia o equipamento com os
outros dois garotos, mas não estava no local ontem. Ele, ao contrário dos dois amigos, tem família.
Diz pedir esmola nos dias úteis e
vai para casa aos fins de semana.
I. e L. afirmaram ontem que não
aceitam ir para abrigos porque lá
se sentem "presos".
Ontem os dois se ocupavam em
descobrir onde passarão a próxima noite. "Não tem quem possa
ficar com a gente. Acho que vamos dormir de novo na rua mesmo, no frio. Sem a casinha de antes, não vai ter outro jeito."
(FERNANDA MENA)
Texto Anterior: Exclusão social: Para Serra, dar "casinha" é solução absurda Próximo Texto: Urbanidade: Meninas da esquina Índice
|