São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005

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"Queria que tivessem levado a gente junto"

DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu tô revoltado", esbraveja I., 13. O garoto dormiu durante duas noites numa "casinha de bonecas" instalada no Tatuapé, no último domingo, pela Associação Casa da Criança de Nossa Senhora Aparecida para abrigar crianças em situação de rua. O motivo da revolta dele? Sua "casinha" havia sido retirada do local ontem.
"A nossa casinha era "da hora". Quando chove, lá dentro não molha. Quando faz frio, lá dentro não venta. E ainda tem travesseiro e coberta pra gente dormir", explica. "Queria que tivessem levado a gente junto com a casinha", afirma L., 13, que dividia com I. uma das casinhas levadas ontem pelos funcionários da subprefeitura.
Os meninos, que se chamam de "parceiros", dizem morar na rua há mais ou menos três meses. "A gente dorme na praça Sílvio Romero. Mas tem muita gente de lá e do shopping Tatuapé que implica com a gente", conta I.
I. diz ter fugido de casa porque "apanhava muito" do pai. "Tem outras coisas muito tristes e ruins que aconteciam lá na minha casa, mas não quero falar disso. Só posso dizer que gosto mil vezes mais de ficar na rua do que na casa dos meus pais", afirma.
Seu "parceiro" L., que também diz ter 13 anos, conta que a mãe morreu e o pai está preso. E afirma que o padrasto batia nele "de vara e de cinto até [ele] não conseguir mais andar de tanta dor".
"Quando as "tias" [da Associação Casa da Criança de Nossa Senhora Aparecida] falaram que iam trazer uma casinha pra gente, achei que era mentira. Mas aí, uma semana depois, elas apareceram com duas casinhas bonitinhas", diz I., que descreve sua ex-morada como "uma linda casinha azul por fora e branca por dentro". "Mas tudo que é bom dura pouco e tudo que é ruim permanece. A vida já me ensinou isso. E, agora, sem a casinha, vai ser um terror de novo."
Tanto I. como L. dizem já ter freqüentado a escola, mas mal passam pelo teste da escrita do próprio nome. Ainda assim, mantêm a esperança de um futuro longe das ruas e dos furtos em supermercados que admitem cometer. L. quer "fundar uma escola, ter uma casa e uma bicicleta". I. sonha em integrar a Força Aérea Brasileira -para "defender o meu país dos inimigos", diz ele.
Outro menino G., também de 13, dividia o equipamento com os outros dois garotos, mas não estava no local ontem. Ele, ao contrário dos dois amigos, tem família. Diz pedir esmola nos dias úteis e vai para casa aos fins de semana.
I. e L. afirmaram ontem que não aceitam ir para abrigos porque lá se sentem "presos".
Ontem os dois se ocupavam em descobrir onde passarão a próxima noite. "Não tem quem possa ficar com a gente. Acho que vamos dormir de novo na rua mesmo, no frio. Sem a casinha de antes, não vai ter outro jeito."
(FERNANDA MENA)

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