São Paulo, terça-feira, 03 de setembro de 2002

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MARILENE FELINTO

Embrutecer ou o preço do gás e da violência

Além de tudo é preciso superar os observadores policialescos, a caquexia dos "observatórios", a pose dos ombudsmans, esses atravessadores da imprensa, que de críticos mesmo não têm nada, que só fazem reproduzir a opinião das elites, dos donos da imprensa e dos donos do país, servil e promiscuamente.
Já não bastasse a censura de fato, por que se passa nesta nação de Terceiro Mundo, ainda vêm essas gralhas arremedar opiniões, mastigar "análises" sobre isenção e "apartidarismo", todos cinicamente a serviço do "establishment", como se diz, do candidato do governo à eleição presidencial. Gente enfadonha, sem voz própria, sem originalidade nenhuma. Por que não censuram esses papagaios, essas araras enjauladas? Porque eles são maquiadores profissionais da verdade, enchem de ruge, pó-de-arroz e perfume falsificado as páginas engelhadas do jornal, a tela baça da TV, tudo em nome dos "leitores" ou "telespectadores". Leitor que se preze não precisa de atravessador.
O "establishment" (sinônimo de "elite dominante" ou "grupos privilegiados") quer continuar no poder a qualquer custo. Eles arrasaram o país nesses oito anos de governo FHC e suas alianças com o pior das oligarquias nacionais. Nunca se forjou tanto assassino, tanto sequestrador, tanto ladrão grande e pequeno. O povo embruteceu nesses oito anos, por conta de muita violência material e moral: a violência física do assalto, do crime, da falta de atendimento médico; e a violência moral do medo, do empobrecimento, da extorsão dos impostos, da dívida impagável.
A dona-de-casa está estarrecida com o preço do gás, "que custava R$ 7 quando começou o Plano Real, e agora custa R$ 30, que eu paguei na semana passada!", ela quase gritou, explicando. Admirei a memória contábil. Como ela tinha guardado aquele valor do início do Plano Real? E o tal tabelamento? Não ia haver um tabelamento do preço do gás? Conversa mole do governo, para ganhar eleitor para o candidato oficial, José Serra. A dona-de-casa contou que "não tem essa de tabelamento para o dono do armazém". Disse que o homem "só vendia se fosse por R$ 30, que ninguém vende a R$ 26 em lugar nenhum!".
E era essa sua indignação solitária. Ora, o governo FHC custou caro às pessoas pobres. O governo dos ricos para os ricos nunca se importou, de fato, com o preço do gás, da luz, da gasolina ou da tarifa de telefone. Nem eu consigo pagar mais a conta do celular: mandei tirar tudo quanto é tipo de serviço, de identificador de chamada a não-sei-que-browser feito para extorquir dinheiro do assinante. Só uso celular em emergências. Mesmo assim, o valor da conta nunca diminui.
O governo dos ricos para os ricos transformou tudo em "economia". Ora, que droga é essa? A economia é apenas uma das esferas da cultura, diz o livro, e, portanto, um domínio parcial da vida social humana. Seu sentido filosófico não deveria ser ganância por dinheiro ("acumulação de maior valia", como se fala na linguagem dos especialistas), mas sim a preparação de bens e a prestação de serviços valiosos em prol da comunidade.
Em comparação com outros domínios da cultura (arte, ciência, religião), a economia é, sem dúvida, o mais inferior em valor e dignidade. Mas no governo dos ricos para os ricos, no modelo capitalista neoliberal, a economia se desembaraça dos laços sociais e, prolongando sua influência, desarticula e desagrega a ordem social: só serve para embrutecer as pessoas, da dona-de-casa ao assassino, ao ladrão. Foi só para isso que serviram esses oito anos de governo FHC.

E-mail - mfelinto@uol.com.br


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