São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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BARBARA GANCIA

Mendigo, morador de rua ou pessoa em abandono?

Justiça seja feita. A idéia do jogo entre Brasil e Haiti não partiu de algum Duda Mendonça das Relações Exteriores. Partiu do primeiro-ministro haitiano, Gérard Latortue.
O projeto pode até ter sido abraçado com uma dose de oportunismo pelo governo tapuia, mas o êxito da operação, há de se admitir, parece ter sido dos mais doces.
A ida da seleção ao Haiti foi tratada por alguns céticos como uma mera exibição circense. Pois eu digo que, se nossa vocação para trazer algum alento às vítimas de conflitos que se arrastam há anos reside na realização de joguinhos bocós de bola, que seja. Mesmo que o único ganho consista, em termos de imagem, em ver o talento brazuca se fixar nas mentes dos mais jovens.
Veja só: na semana passada, o canal pago de televisão GNT exibiu um documentário tocante, "Promessas de um Novo Mundo", sobre o cotidiano de crianças palestinas e israelenses.
Um dos meninos mostrados no filme, o palestino Faraj, 13, demonstra grande resistência a aceitar a sugestão do diretor do documentário, B.Z. Goldberg, de se encontrar com judeus da sua idade.
A barreira finalmente é rompida e Faraj concorda em falar ao telefone com o israelense Yarko, 12. Os dois começam a conversa pisando em ovos e só vão encontrar algo em comum quando Faraj pergunta para quem Yarko torceu na final da Copa de 1998. "Para o Brasil", diz o menino judeu. Faraj abre um largo sorriso.
Os céticos que consideram ter sido dinheiro jogado no mar das Antilhas o investimento de levar a seleção ao Haiti vão dizer que é bobagem. Mas já pensou que bacana ver Faraj e Yarko, na mesma arquibancada, torcendo pela seleção brasileira?
 
Eu já andava meio encafifada com o uso do termo politicamente correto "morador de rua" para designar mendigo quando recebi um e-mail do senhor José Vieira Rocha Jr. dizendo o seguinte: "A locução é contraditória em termos. É rua ou é moradia. Morar implica fixar-se. Rua, por definição, é caminho, é via de passagem. Ademais, rua é coisa pública, jamais disponível a ser apoderada pelo particular".
Ele diz ainda: "O uso impensado do vernáculo escancara nossa acomodação diante do fenômeno. Fugimos à reflexão e fingimos compreensão quando mascaramos a realidade". O senhor Vieira sugere que, em vez do pejorativo "mendigo" ou do equivocado "morador de rua", se passe a usar "pessoa em abandono".

QUALQUER NOTA

Porção canina
A melhor tirada sobre John Kerry partiu do comediante norte-americano Dana Carvey. Em entrevista a David Letterman, ele disse que o candidato do Partido Democrata é "29% basset hound".

Verborragia
Tapuia precisa mesmo de auto-estima. Sem ela, como engoliria um presidente que usa os ditos de Zeca Pagodinho como se estivesse citando Shakespeare?

De luva
Quer apostar um picolé de limão como o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima já deve estar na mira da campanha "brasileiro não desiste nunca"?

E-mail - barbara@uol.com.br
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